terça-feira, 27 de maio de 2008

No aeroporto

E então uma grossa camada de neblina baixou sobre Guarulhos mudando os rumos das coisas.

Olá, ia escrever um post sobre o clima de aeroporto. Vejo que o blog está infestado de percepções sobre viagens de ônibus e poucas sobre os vôos. Então, em Guarulhos, comecei a rascunhar este post, mas o caminhar dos acontecimentos o levou para outra direção. Preferi colocá-lo aí embaixo na íntegra. Ficou um pouco longo, mas contei com a atenção imaginária de vocês enquanto escrevia, espero que possa contar novamente agora na leitura:


A infeliz mulher vestida de rosa, a falante latina, o grandioso grupo de chineses, mulheres com lenço na cabeça, homens gordos com camisetas de listras horizontais, rapazes em seus velozes notebooks. Estou parado em Guarulhos. O aeroporto está fechado por causa do mau tempo e meu vôo não tem previsão de saída (a mulher acaba de informar novamente no sistema de som que o vôo está retido). Sei lá quanto tempo fico aqui e, cansado de ler o livro de English grammar, rascunho algumas palavras.

Queria falar sobre esse microcosmo chamado aeroporto. Um lugar que, a exemplo do filme O Terminal com Tom Hanks, as pessoas transformam no próprio lar.

Daqui de onde estou vejo um homem espichado entre duas poltronas; dorme sobremaneira. O grupo de chineses acaba de passar por ele e voltam a tomar seus lugares. Falam alto e acenam. A mulher triste mantém a cara amarrada e encara uma criança. Ao meu lado, uma moça tira o notebook da mochila e começa a dedilhar e, na poltrona de trás, a falante latina fala sobre as belezas do Brasil. Ela deve ser argentina e seu interlocutor espanhol.

O olhar triste da outra mulher talvez seja reflexo de sua condição: ela vive sobre uma cadeira de rodas ( não que isso justifique caras amarradas. Tenho uma amiga cadeirante, a Dê, que é uma das almas mais alegres que jamais conheci). Já tinha visto a moça triste e sua família enquanto perambulava pela livraria Laselva. E já por lá ela mostrava na face os dissabores da vida.

A falante continua que é só sorrisos para o amigo espanhol. Falam sobre os modos de pronúncia do Brasil. Sim, ela é brasileira: comentou sobre o 'e' do Sul do país e o 'r' de São Paulo. O espanhol parece interessado e arrisco dizer que se o vôo atrasar mais um pouco a brasileira ganha esta fácil, fácil.

Os chineses também conversam, mas em seu idioma sinistro. Suspeito que não pertençam a apenas um grupo. Conheci há poucos o grupo menor, oito chineses jogando baralho em pleno aeroporto. A empolgação dos gringos chamou a atenção de quem passava por perto, inclusive a minha. Sentei ao lado e tentei entender a regra do jogo, mas não tive sucesso. As cartas têm caracteres chineses e os jogadores vão colocando uma sobre a outra sem qualquer sentido aparente. Ao menos não para mim.

O que percebi, no entanto, foi que os chineses, em sua maioria, são calvos e têm problemas de visão. Dos oito jogadores que fazem parte de minha amostragem, 100% são calvos e 72,5% usam óculos. Também usam camisas, cintos, calças tergal e tênis Nike.

A despeito do atraso dos vôos, o aeroporto parece bastante calmo. Sempre sinto no aeroporto esse clima inebriante. Caminhei há poucos entre passageiros no piso inferior. Vi olhares tensos, rostos cansados, pessoas debruçadas no braço das poltronas e outras honestamente estiradas no chão.

Outra partida se inicia entre os china. A falante mantém a aula de língua portuguesa e a triste mulher se encolhe entre duas poltronas. E no sistema de som, interrompendo o correr rápido de minha caneta, o cara anuncia que um dos quatro vôos foi transferido para o aeroporto de Campinas. Falta de teto em Guarulhos. "Londrina foi pro saco", satirizou um cara aqui do lado em referência ao vôo transferido para Viracopos. Falta saber o destino dos outros três...

(...)

0h32. Continuo no aeroporto. Estou ao lado da jogatina dos chineses. Esqueci de dizer: a mulher brasileira e o espanhol estavam no vôo para Londrina e seguem juntos de ônibus para Campinas. O destino deles agora está nas mãos de Deus... ou na lábia da brasileira.

Aqui atrás, um cara de cabeça raspada e boné vermelho falou ao amigo: "Vamos formar uma dupla e desafiá-los para o truco"...

DO SOM: "Passageiros do vôo 3557 com destino a Foz do Iguaçu, informamos que seu vôo sairá do aeroporto de Viracopos!"

Jogo o bloquinho na mochila e esta nas costas. Com o olhar me despeço dos chineses, das pessoas com seus notebooks, dos dorminhocos de Guarulhos, da moça triste que se encolhe na poltrona. Preciso pegar as malas. Volto a escrever de Viracopos.

(...)

Não teve jeito. Nós fomos mesmo um dos vôos selecionados e embarcaremos em Viracopos. Vim de Campinas até Guarulhos para agora voltar pra lá. Estou em frente ao aeroporto do Guarulhos esperando o ônibus. A chinesada também vai junto. A noite vai ser longa, mas a julgar pela companhia, deve ser animada. Volto em breve.

(...)

Aeroporto de Viracopos, 2h48. Pessoas apoiadas no braço das poltronas, outras plenamente dormindo. Notebooks abertos, rostos cansados, bocejos. Aeroporto é tudo igual.

Estou morrendo de sono e, ao menos para mim, essa brincadeira perdeu a graça. O pessoal se aglomera em um único portão, esperando os vôos. O homem gordo de camiseta de listras horizontais também está aqui e a chinesada não está para carteado.

É a primeira vez que piso em Viracopos e não pude analisar direito o aeroporto. Vi todas as lojas fechadas, inclusive a onipresente Laselva. Espaço amplo, perfeito cenário para as pessoas e suas esperas. Aeroporto é tudo igual. Mas ao menos uma vez na vida, a TAM vai ter que fazer um vôo Campinas-Foz.

Está acontecendo uma onda de reclamações lá na frente, vou ver o que é...

(...)

Avião da TAM, 3h passadas. Fui o primeiro a entrar. Acomodei-me na poltrona 21F, de modo que a asa não atrapalhe a minha vista (janelinha é fundamental). Não sei se são do mesmo grupo, mas alguns chineses sentaram-se ao meu lado. Desconfio que este pequeno grupo nem seja de chineses a julgar pelos traços (aliás, não sei nem se aqueles da jogatina o são). Vou perguntar para essa moça de camisa vermelha, óculos e olhos rasgados aqui do meu lado: "Are you chineses?". "No, corean", respondeu. Deveria desconfiar do sotaque com as palavras bastante acentuadas no final da frase (como o Jin e a San do Lost, ou todos do filme Old Boy). A moça riu e comentou ao colega ao lado sobre minha pergunta. Em coreano.

Agora faz silêncio na aeronave. Estamos naquela pausa entre a entrada das pessoas e o enfim levantar do vôo. Vou tentar dormir e talvez pela primeira vez recuse o lanche da TAM (nada de suco de manga para mim). Talvez. Bastante cansado, despeço de vocês que me acompanharam até aqui. E com uma instantaneidade tabajara, posto tudo no blog quando enfim chegar em casa.


Postado depois:

Cheguei na casa do Flávio às 5h50 da manhã. Dormi meia hora e tive que levantar para ir ao trabalho. Sono acumulado. Não aguentei e tomei o suco de manga da TAM. Sou um vendido. Só agora concluo o registro, publicando este post, e agradeço a todos que chegaram ao final dele.

Conversas de ônibus

Já lhes contei sobre alguns papos de ônibus. Teve aquele são-paulino que tagarelava no celular, ou a muambeira gorda cobrando o dinheiro para a caixinha do motorista. Pois bem, quando não estou dormindo ou lendo, constumo levantar as orelhas para ouvir o que rola no ônibus. Vez ou outra, coisas que valem nota.

Agora há poucos estava conversando com uma mulher que me chama de Forrest Gump (pelo destino errante do personagem, creio eu). Toda segunda nos encontramos na Caprioli rumo ao aeroporto de Guarulhos. Naquela viagem em que eu perdi o ônibus e tive que pegar um táxi, ela viu meu desepero, mas não falou para o motorista parar. Até hoje cobro dela por isso.

Bem, deu para perceber: rascunho do Caprioli. Estava lendo, mas os olhos pesaram. Então inclinei a poltrona para dormir e fui cair no meio da conversa de duas amigas em viagem para Europa. Elas comentam com desdém as recomendações do chefe de uma delas: Se for a Paris, visite o Louvre ou Em Londres, vá ao Big Ben. "Ele fica achando que deu uma baita dica. É óbvio que eu vou ao Louvre", desdenhou.

Papo vai, papo vem e elas começaram a fofocar sobre um amigo que passaria um ano na Europa e assim mesmo, na volta, seria contratado pelo Itaú. "Ele vai andar na [avenida] Paulista de terno e gravata, não vai mais se atrair por ela [possivelmente falavam de uma pretendente]."

O último cometário foi sobre blog. Falaram mal. Que só serve para o cara ficar escrevendo o que aconteceu em sua vida. Uma delas gosta de blogs em que a pessoa apresenta a sua visão sobre determinado assunto e não fique apenas narrando seu dia-a-dia. Fiquei cabreiro, é assim mesmo?

Pode até ser, mas vou reclinar só mais um pouquinho a cadeira para ouvir o final da conversa...

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Paradas

Labjor, segunda-feira, minutos antes da aula. Rascunhei um post na viagem e gostaria de postá-lo aqui. Se der tempo:

Estou começando a pegar implicância das paradas de ônibus na estrada. Teve uma época em que era tradição: esperava logo parar e sair para tomar meu pingado, gosto de analisar e comparar os pingados de diferentes paradas. Mas muito disso vem perdendo a graça.

Agora são duas da manhã. Estou morto de sono e sei que, se não dormir, de manhã estarei um caco para acompanhar as aulas do Labjor. Aliás, dormir de verdade só na terça-feira, em casa. Estou no ônibus Transpen, parada do Graal. Vinha em um sono relativamente tranqüilo; não que seja fácil dormir aqui na primeira poltrona que eu insisto em escolher (vale um post sobre isso), mas até que consegui tirar um cochilo.

Então o ônibus parou e o pessoal desceu. Ainda com sono, mas já desperto, tive que me levantar para dar um passeio pelo Graal. Andei aqui e ali, e impliquei com a voz do cara que fica anunciando a saída dos ônibus no sistema de som ("atenção passageiros da Pluma, fujam que o ônibus entrou em combustão espontânea"): a vozinha é pior que a da mulher do aeroporto - manjam aquela voz pausada e monótona, sempre pontuando a última palavra da frase? Irritante. Começou uma música legal, estava curtindo, mas o cara da vozinha voltou a dominar o espaço sonoro. Não dá. Saí do Graal e voltei ao ônibus.

Quando entrei no Transpen já senti no ar um conhecido aroma detestável: na segunda fileira de poltronas, pertinho da minha, o rapaz nem fazia cara de culpado ao dar mais uma mordida em seu salgado gordurento.

Agora quero ver se consigo dormir, vai ser difícil, desperto que estou e com os sacolejos da metade final da viagem.

domingo, 25 de maio de 2008

RESPIRO: Papo de jornalista

O respiro desta vez ocorre em plena viagem. Estou em Curitiba, vim participar do 1º Monicontro, evento que ajudei a organizar (em breve comento sobre ele por aqui). Mas ainda antes de chegar na cidade fiz um rascunho que compartilho com vocês:

Quando voltou de cafezinho na mão o Jasper propôs outra teoria...

Quinta-feira, feriado de Corpus Christie. Estou de carona no carro do Romeu, um colega jornalista de Foz do Iguaçu, rumo a Curitiba. Apesar de o rascunho ser escrito em uma viagem esse post tem outro propósito: é mais um respiro.

Escrevo para resumir a cobertura do Fórum Global de Energias Renováveis, que aconteceu em Foz e me impediu de ir para Campinas esta semana. A cobertura do fórum foi intensa e boa parte dela fiz ao lado de meu chapa da Gazeta do Povo, o jornalista Fernando Jasper. Conheço o Jasper há tempos, fomos colegas de faculdade e somos grandes amigos. Sempre quando nos encontramos, portanto, surgem alguns papos cabeça dignos de nota.

Para começar, Jasper e eu ficamos intrigados com a qualidade da tradução simultânea. Está certo, não deve ser fácil traduzir para o português as inúmeras variações do inglês, os sotaques mais bizarros das mais de 50 nacionalidades do Fórum. Há de se relevar. Mas em algumas ocasiões os tradutores exageraram. Um deles, qual um dublador, interpretava as falas dos personagens. Outros sugeriram neologismos do nível de 'pretóleo' (petróleo), 'eugenia' (energia), 'indígena' (indiano) e, pasmem, 'Vale do Silicone' (Vale do Silício).

O vago conceito de mesa-redonda (cobrimos várias delas) também foi tema de nossas divagações. Primeiro que não houve os debates próprios de mesas-redondas; segundo que, como lembrou o Jasper apontando para a platéia lotada, "como vai caber toda essa gente em uma mesa-redonda?"

Outro questinamento surgiu quando uma participante de um país africano reclamou da falta dos "pobres da África" nos debates do fórum. Confesso que paramos por alguns minutos para tentar visualizar todos os pobres da África no salão principal do Hotel Bourbon. "Naquele canto se sentaria um criança barriguda com uma mosca pousando em seu olho aberto", disse eu, inspirado nas cenas típicas da televisão. "Imagine todos os famintos da África em uma mesa-redonda", colaborou o Jasper.

No coffe break lutamos contra as hordas de famintos. Viciado em café (como eu), o Jasper ficou monossilabando alguns ruídos de desaprovação diante de um cara que estava conversando parado em frente à garrafa térmica. Quando voltou de cafezinho na mão, o Jasper propôs outra teoria:

"Eu acho que esses caras de língua bizarra na verdade disfarçam. Eles fingem que conversam em uma língua que só eles entendem só para dizer 'não, que nós temos língua própria e não dependemos da língua da metrópole'."

"É verdade", concordei, "e quando não tem ninguém por perto, aposto que eles cochicham em inglês".

Paramos e refletimos sobre aquilo. Ao nosso redor etnias e nacionalidades variadas iam e viam. Depois de um breve silêncio, o Jasper disse que sempre que nos encontramos, promovemos conversas de elevado conteúdo.

Concordei com ele, e fomos juntos cobrir mais uma 'mesa-redonda'.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Pequena viagem

A vida também tem as suas pequenas viagens. Não fui a Campinas esta semana, fiquei para a cobertura do Fórum Global sobre Energias Renováveis, que acontece em Foz do Igauçu. Evitei as longas viagens de ônibus e avião, mas não fiquei imune às curtas. É terça-feira e o trabalho me segurou mais uma vez em Foz, perdi a van de novo e volto para casa de ônibus. Viagem curta, Foz para Medianeira, mas quem disse que pequenos trechos não rendem alguns rascunhos?

Resolvi pegar da caneta e escrever essas linhas (que depois coloco no blog) porque estou sem o que ler. Mas também para contar uma singela cena que acabo de ver através da janela, aqui na primeira poltrona do ônibus.

O Princesa dos Campos começa a se mexer, mas por algum tempo ficou lado a lado com o Catarinense. No carro vizinho, um jovem casal de adolescentes se despedia de forma demorada. (Certa vez me disseram que rodoviária é o local mais triste do mundo, eu mesmo já tive meus momentos de fraqueza, mas a cena de há poucos foi particularmente tocante).

A menina abraçava o rapaz com carinho. Pareceu-me uma despedida de dois amigos, aquele esfregar gostoso das mãos nas costas um do outro, aqueles rostos coladinhos. Mas definitivamente eram um casal: após as carícias, eles se encararam e se beijaram. Mas o beijo foi estranho, de frente, não do jeito convencional, de rostos cruzados para que as línguas se encontrem com facilidade. De frente, quase um selinho mais demorado. E por várias vezes, como se cada beijo representasse a falta que um faria ao outro dali para a frente.

A menina beijou o menino mais algumas vezes. Muitos beijos de frente em ritmo acelerado, prolongando a despedida. Mas uma amiga da menina fez o favor de lembrar o tardar da hora. A apaixonada deu o último beijo e se virou bruscamente em direção ao ônibus.

Notei com atenção a expressão do casal recém-separado pelo ônibus. O rapaz ficou de olhar manso e cândido, seguindo a menina com os olhos. A menina entregou a passagem ao motorista e secou uma lágrima teimosa na base do olho. Subiu depresa as escadas e não voltou o olhar para trás.

Talvez para ela terminava ali a sua pequena viagem.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Qualidade de vida

Segue abaixo mais um post escrito no avião, na volta de Campinas na última segunda-feira (12):

A noite é produtiva, o café expresso com açúcar espantou o sono e, aproveitando que o notebook já está ligado, rascunho mais um post. Viagem de volta, mais de dez mil metros de altura. O tema (pausa para turbulência) é conforto, coisa rara nesse vai-e-vem sem fim.

Quem se sujeita espremer-se na classe econômica deve estar preparado para tudo. Mas há coisas piores. Hoje finalmente pude entender na plenitude porque os mineiros chamam ônibus metropolitano de ‘humilhante’. Os saltos que a máquina dá nas lombadas, realmente, provocam situações vexatórias até mesmo para a mais paciente das almas.

Noves fora, temos os ônibus de linha, em que humilhação é palavra de ordem. Imaginem-se enfiados por 16h em um caixote com rodas, tendo que conviver com todas as espécies de criaturas e situações (leiam os top fives aí do lado e conversamos melhor depois). Após sofrer com frio, aperto e desconforto, no entanto, resolvi contra-atacar. E para isso, tratei de comprar armamento e munição.

Há algumas semanas ando com uma almofadinha em forma de meia lua, para colocar no pescoço. A mulher que me vendeu disse que o material é o mesmo usado pelos astronautas da NASA. Não importa, tem funcionado. Podem me chamar de fresco, mas nada como um pescoço firme e livre de eventuais “pescadas”.

Nesta última viagem resolvi melhorar o arsenal. Nos bolsos laterais de minha mochila, a garrafinha de água (outra munição) já não está mais sozinha: carrego também um par de pantufas, que usei nas várias horas do ônibus e uso agora no avião. Coisa de velho? Pode ser, mas melhor que deixar o pé fechado em um sapado apertado sabe-se lá por quanto tempo.

Já tomei a precaução do agasalho, mas a manta axadrezada pertence a um futuro distante. Em algumas viagens, sempre é bom algumas frutas e a inseparável garrafinha d’água. Claro, toneladas de livros e revistas, porque viagem sem ler não tem graça. Mp3 nunca foi minha praia e não será até que eu compre outro.

Mas agora a noite, quando entrei no avião, vi uma novidade. Um cara de bigode e chapéu exibia uma almofada-meia-a-lua como a minha e mais uma arma: um tapa-olho! Com essa ferramenta, fica livre de luzes de leitura ou faróis de carros que ofuscam a vista.

Quem sabe...

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Outras viagens

Há poucos estava na cozinha conversando com minha irmã, uma amiga dela e meu cunhado. Dei-me conta que as viagens, principalmente as de ônibus, marcam a vida de muitas pessoas. Percebi também que esses momentos dentro dos caixotes ambulantes rendem boas histórias para todo mundo. É o caso de minhã irmã.

Há cinco anos a Bruna faz viagens para Palotina, onde cursa Medicina Veterinária na UFPR. Segundo ela as viagens rendem relatos impagáveis. O "Expresso para o Inferno" (ou Tristeza dos Campos) leva 4h30 para percorrer 170km - eu que odeio pinga-pinga nunca peguei um desses -, um ônibus onde há uma fauna variada e situações incríveis. Minha irmã acaba de me contar uma delas.

Diz a Bruna que em certa viagem, estava com a barriga ardendo de fome. Na rodoviária de Marechal Cândido do Rondom, portanto, desceu correndinho do ônibus para comprar uma coxinha (a menina adora coxinhas). Mas a mulher ficou enrolando para embrulhar (nota a sutileza do trocadilho?) o salgado e , quando a Bruna voltou, o ônibus já havia saído.

Foi hilária a descrição da cena seguinte: após o susto, a Bruna saiu correndo atrás do ônibus, espremendo a coxinha na mão e acenando para o motorista parar. Este, no entanto, não percebeu a louca desesperada e só parou por causa de um carro que travava o caminho, dando tempo de minha irmã alcançá-lo.

Ela subiu bufando e foi para sua poltrona. Olhou com desprezo a mulher da poltrona ao lado, que não teve o pudor de avisar ao motorista sobre a ausência de uma passageira. Ainda ofegante, a Bruna pôde comer a coxinha.

"Você não tinha dinheiro, filha?", perguntou minha mãe, ao entrar na cozinha e pegar a conversa pela metade. "Não mãe, a carteira estava dentro do ônibus", respondeu a Bruna. "E eu não tinha dinheiro, só para o ônibus e para a coxinha". Todos caímos na gargalhada.

Após dar duas mordidas naquela massa amorfa em suas mãos, a Bruna sentiu um baita fio de cabelo. Quem mandou, coxinha de rodoviária dá nisso. "Depois ainda fiquei com dor de barriga", completou.

A Bruna tem muitas outras histórias, de velhos caducos a senhores que carregam ração para animais. Mas muita gente deve também ter relatos preciosos. Por isso, abro espaço aqui no blog para o pessoal contar suas aventuras. Vou soltando aos poucos, junto com as minhas.

Envie seu rascunho para murilo_alves_pereira@yahoo.com.br, terei prazer em contá-lo aqui.

Pay attention, please!


Queria escrever esse post lá embaixo no aeroporto, mas não deu tempo. O vôo chegou, o povo embarcou e eu corri botar o notebook na mochila. Agora, após os trâmites de subida e o blá-blá-blá dos comissários de bordo posso voltar a ter convosco. Vamos falar sobre viagens de avião.

Ao longo das três poltronas da asa esquerda a imagem é inspiradora. O rapaz que a poucos ouvia “Beautiful Girl” no máximo volume de seu mp3, agora mergulha em um sono nada vacilante. A bela cena do corpo espichado e pernas para o alto tira todo o glamour de uma viagem de avião na classe econômica.

Certamente também não deve constar nos vídeos institucionais da TAM o camarada da poltrona de trás que, com seus joelhos pontiagudos, brinca entre as minhas quarta e quinta costelas. O breve espaço entre as poltronas já foi digno de nota mas vale este reforço – antes, no entanto, o suco de manga que acabou de chegar (sem gelo, por favor).

O avião sacoleja enquanto dou uma mordida no pão de leite quentinho, cuidando para não sujar o notebook. A voz do comandante toma conta do sistema de som: estamos a 34 mil pés (mais de 10 mil metros) de altitude e a 850 km/h de velocidade, o tempo estimado de chegada em Foz é de 1h40. Céu nublado. Esse comandante é gente boa, sempre trata a equipe de comissários por “muito simpáticos”.

E o vôo prossegue assim como esse post; mas diferente do post, o vôo sabe onde quer chegar. Queria comentar sobre as viagens de avião e como o acúmulo de milhagem faz delas cada vez com menos graça.



Lembro-me bem do primeiro vôo – esperemos antes o cara de trás se ajeitar na poltrona e aumentar o vão entre minhas costelas; agora sim: eu viajara de Curitiba a São Paulo para participar de um workshop aos jornalistas que cobririam a COP/MOP (foto acima). Estava deslumbrado, tudo era novidade. Mas depois do mar de nuvens da primeira viagem, as cenas pela janelinha do vôo viraram uma mesmice só.

Confesso que ainda sinto aquele friozinho na barriga, quando o piloto termina a subida e alinha o avião, e continuo aguardando com paciência o baque que o avião faz ao enconstar no solo, no momento do pouso. Na última viagem para Foz, os relâmpagos da noite me inspiraram criar esse blog. Fora isso, sem novidades. As viagens de avião se resumem à luta contra o site da TAM para comprar a passagem, ao passeio pelo aeroporto e pela Livraria Laselva (onde compro revistas, livros, gibis e Charge), à espera no portão 1C e ao aperto (ou massagear de costelas, como queiram) das poltronas de avião. Nada demais.

Após toda viagem, ao chegar em Foz, cansado e com sono, pego um táxi para o apê de meu amigo Flávio. Pés no chão, que no outro dia levantamos cedo para mais uma jornada de trabalho.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Como as outras

Aeroporto de Guarulhos; notebook em uma poltrona, eu em outra. Acabei de assistir em três partes (lixo de bateria) ao ótimo O Informante. Já comprei a nova Piauí, já comi meu Charge e só aguardo a dona voltar a gritar no sistema de som, desta vez chamando o vôo que me interessa (agora são 22h45, o vôo chega às 23h15).

Escrevo rapidamente do aeroporto e amanhã coloco no blog (maldito PC sem wireless). Quase fim de mais uma segunda-feira e de mais uma viagem como todas. No ônibus o de sempre. Ainda assim, rascunhei alguma coisa nas primeiras horas de viagem. Compartilho com vocês:

Primeiro foi o atraso do ônibus, depois a mulher que se espichava em minha poltrona, aí então a mãe pergunta à filha: “está sentindo enjôo?” Segundos depois o ônibus dobra à esquerda e pára na rodoviária de Matelândia, a primeira após Medianeira.

Quando o ônibus parou em Céu Azul (a segunda), pensei “aí tem coisa”. Retomei a minha poltrona e ouvi a mulher, mãe da filha, dizer que o ônibus pararia muitas vezes ao longo da viagem. Isso com um ar de consentimento. Lá na frente, uma criança mais nova chora agudo e, aqui do meu lado, a mulher que antes tomara minha poltrona desaba dizendo “preciso me recuperar da ressaca”, enquanto maliciosamente esfrega o cotovelo em meu braço. Haja.

Escrevo este rascunho em uma página de meu inseparável O mundo sem nós, de Alan Weisman. Tento me concentrar no capítulo sobre os oceanos, mas não consigo. Talvez seja o entra-e-sai das pessoas no banheiro ou o odor do químico da privada que irrita as narinas. Sei que será uma looonga viagem...

Mudo a posição do notebook, ele sentado na poltrona e eu no chão (porcaria de tela – não fica parada e precisa se escorar em algo para ficar aberta). Faltam poucos minutos para a ladainha chamar meu vôo. Dá tempo para outro relato, ainda no ônibus:

Meio de viagem. A menina desandou a falar, uma gracinha, mas precisa de tecla SAP. Criança quando aprende a falar não pára. A mulher baladeira continua se insinuando. Já terminei o livro (ótimo), tentei assistir ao filme O Informante, mas a bateria do notebook arriou, já ouvi todo o Bee Gees do mp3 e devorei a Piauí. Sem sono, não me resta outra coisa a fazer senão escrever.

Meio de viagem. A mulher do lado diz que se escrevesse em ônibus teria mal-estar. Parece que está tentando puxar conversa – há poucos perguntou o que era a luzinha vermelha do mp3. Daqui a pouco paramos em Londrina e eu tomo mais um pingado.

Viagem longa. Deveria ter trazido mais o que ler.

Cheguei em Campinas às 7h30. Acordei ao som da menina que para tudo apontava e perguntava “o que é isso mãe?”. Perdi o mp3. Deixei no ônibus e quando voltei para buscar já não estava mais lá. Quando escrevi os fascículos Método Fácil de Perder Dinheiro, criei um método especial: fazer essas viagens semanais descabidas para Campinas! Tudo bem, as viagens em si geram um baita gasto. Mas eu tenho ajudado.

Agora me dêem licença que vou correr para pegar o vôo. Também não vou ficar dando sorte para o azar.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Mais respiro: Trabalho Importante

Ainda não havia postado fotos aqui, portanto essa é a estréia. Estava procurando algumas imagens para ilustrar os posts e vou tentar ser mais caprichoso. Vou tentar. Bem, a foto abaixo foi tirada no pé do vertedouro da Itaipu, local onde eu trabalho. Frase ambígua essa última, né? Foi de propósito.

Trabalho na divisão de imprensa da Usina Hidrelétrica Itaipu Binacional, desde fevereiro deste ano. Mas pela frase acima, fica também parecendo que eu trabalho no pé do vertedouro. Para alguns colegas de Campinas, é isso que eu faço. O Enio começou com essa. Disse que minha função na Itaipu e ficar verificando se a água cai. Imagine a cena (ou veja a foto): um cara com uma prancheta anotando "caiu, caiu, caiu, caiu". Segundo o Enio, esse trabalho é apenas para verificar se os registros oficiais estão corretos. Eis o trabalho.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Uááá!!

Nem seis da madrugada e o som da passarada era insuportável. Enrolei um edredom na cabeça para abafar o barulho, mas não consegui voltar a dormir, aquilo martelava tão forte quanto o bate-estaca de meses anteriores.

O tema deste post é o sono em viagem, mas vale uma pequena regressão. Nunca fui um cara de sono fácil. Pelo contrário, minha tradicional implicância com as coisas se estende ao bater de asas do pernilongo que me faz perder o sono. Literalmente. Fico prestando atenção naquele flap-flap e passo semanas com olheiras absurdas. Tá certo, a vida de animal corporativo ajuda - acordo todo dia às 5h20 reclamando ao despertador "cê tá de brincadeira comigo". Mas perder uma noite de sono por qualquer razão que seja aprofunda as olheiras (lembrem-me de contar a história do ratinho, de dias atrás).

O caso da passarada ocorreu quando eu morava em Curitiba com o Edimar - um corajoso amigo que dividiu o apê comigo por quatro anos. Talvez ele se lembre, e tente disfarçar um sorriso irônico, do dia em que eu levantei da cama de madrugada, com um gravador na mão, para pesquisar o porquê daquela algazarra dos passarinhos.

Outros casos se acumulam por toda a minha infeliz existência. O Luiz Paulo, outro corajoso amigo, teve que conviver com meus resmungões toda vez que dedilhava o teclado de seu computador. Madrugada alta, quitinete pequena, e eu rolando na cama para dormir. Em noites que ele resolvia virar trabalhando, das duas uma: ou me arrastava junto como um zumbi manso ou eu teria que pegar minhas cobertas e pedir asilo no apê dos vizinhos.


Mas o blog é sobre viagens e vamos nos centrar nelas. Para passar bem no ônibus, tem gente que se entope de Dramin, mas nem assim consegue fechar os olhos nas longas horas em terreno desconhecido e chacoalhante. Aliás, passar uma longa viagem dormindo sem problemas é coisa para seres escolhidos, gente que terá privilégios na seleção da espécie. E apesar de minha chatice com o barulho mais imperceptível, posso me considerar um privilegiado. Na maior parte das viagens, sigo meu sono sossegado.

Isso quando o frio não congela meus pés (tornando a gangrena uma hipótese plausível) ou o motorista resolve treinar para o Rally dos Sertões. Foi assim na viagem para Campinas do dia 21/04 (a oitava). Após a parada no Graal, o motorista optou por desviar de São Paulo, passando pela chamada "Serrinha". Ali, solavanco é regra e dizem que você pode fabricar um milk-shake, sentado na poltrona. Por mais que tente, não dá para dormir.

Nessa viagem cheguei a Campinas pregado. E, após 14h, ali no trecho de Americana, enfim consegui dormir um pouco. Estava tão cansado quando estacionamos na rodoviária de Campinas que cogitei encarar o motorista com os olhos inchados e cheios de súplica implorando: "Posso ficar matando um tempo aqui?"

Não deu. Peguei o ônibus metropolitano e fui balançando para Unicamp, sentado naquela parte levantada da roda e maldizendo mentalmente todas as pessoas felizes com seus assentos. Quando cheguei à universidade fui direto à Praça da Paz. Ali no banco duro de concreto fiz o mesmo que fizera em minha primeira ida para Campinas, quando tudo começou, na primeira aula do Labjor.

Dormi como um anjo!

segunda-feira, 5 de maio de 2008

RESPIRO: Em casa de ferreiro...

Tarde da noite, como não fui pra Campinas minha semana começa mais cedo. Amanhã pego no batente bem antes que o galo. Por isso, já já vou dormir. Mas enquanto organizo mais histórias sobre as viagens para Campinas, segue um respiro. Um texto nada ver com viagens, tampouco com Campinas. Vou procurar fazer isso hora ou outra e soltar alguns textos aqui e ali. Esse é de 2006, uma bobagenzinha sobre ditados populares. Quem quiser, escolha a poltrana (janela ou corredor) e fique à vontade. Eu vou dormir. Até a próxima viagem:

Em casa de ferreiro...

O cara era ferreiro. Não reclamava, pelo contrário, se orgulhava de sua profissão. Em sua casa havia um jogo de espetos de ferro mesmo. Era bem o tipo de Jorge, nosso amigo ferreiro, louco por contrariar todo mundo. Um belo dia Jorge acordou cedo; precisava arrumar uma goteira que não deixava ninguém dormir naquela casa há dias. Na noite anterior subira no telhado para ver o motivo da goteira: vários gatos das mais variadas cores faziam a algazarra em cima de sua casa. De manhã, voltou ao telhado, remendou o buraco, secou o chão onde pingara por dias e notou que a água batia numa pedra dura do assoalho. Não deixara nem marca.

Jorge saiu de casa para os afazeres do dia. Deu um beijo em sua esposa, uma feia mulher, o amor de sua vida. Mas nem por isso não deixava de reconhecer: que monstra! Estava feliz, era uma má companhia que não lhe fazia bem, mas preferia isso a viver só. Caminhando pela rua, notou três macacos empoleirado num galho só e, no chão, uma galinha comendo milho aos bocados. Passou em um Café para comer sardinha na brasa e ajudou um amigo lhe passando a brasa. Chegando à ferraria foi ter com o chefe - um cara falador que vivia de boca aberta, mas os mosquitos não chegavam nem perto:

- Jorge, meu bom Jorge. Como empregado do mês por seis vezes consecutivas tenho um presente para lhe dar. Um cavalo.

Jorge merecia de fato o prêmio, era o melhor empregado da ferraria, fazia tudo com muita pressa, e o trabalho saía sempre perfeito. Imediatamente, Jorge olhou para o cavalo com aquela cara de tacho. Pegou nos beiços do animal e verificou sua dentição. Não quero, disse, tome, leve-o daqui. O homem estava com maus humores aqueles últimos dias.

Tudo começou quando lhe recusaram uma passagem a Roma por um motivo besta: Jorge não tinha boca o suficiente para tal empreitada. Abriu um processo contra a empresa. Passou o tempo, demorou, e veio a reposta: caso perdido. Depois disso, o homem passou a odiar essas frasezinhas de efeito que todo mundo diz. Virou do contra. Sua primeira atitude foi comprar o jogo de espetos. Depois comprou um cão e dispensou o gato – o cachorro latia que era o diabo, e mordia forte também. Pegou os passarinhos da gaiola nas mãos e os lançou ao céu, preferia vê-los voando. E por aí foi, mudando o rumo de sua vida e fazendo que a vida mudasse junto.

Mas então morreu. Não tinha boa intenção nessa vida de Deus, ainda assim foi parar no inferno.

domingo, 4 de maio de 2008

Observações de uma viagem de ônibus

Meu affair com ônibus e viagens é antigo. Remonta ao tempo em que morava em Curitiba e visitava vez ou outra meus pais em Medianeira. Como essa semana eu não fui pra Campinas, segue um texto de gaveta: uma viagem de ônibus que fiz em agosto de 2004, após um período de férias. O texto foi escrito no próprio ônibus e transcrito posteriormente para o computador. Reparem como algumas implicâncias resistem ao tempo:

Observações de uma viagem de ônibus

A luz vem do banco de trás. Vou aproveitar para escrever alguma coisa. Ônibus leito a preço convencional. Estou voltando para Curitiba depois das férias em Medianeira. Meu banco range, o menino ao lado já vomitou, a velha da frente comeu seu galeto e eu continuo... mas sigo para Curitiba com este simpático agricultor do Paraguai ao meu lado.

Escrevo sobre os bancos de ônibus leito. Bem, se o ônibus é leito não deveriam ser bancos, mas leitos. Nada mais óbvio. No entanto os bancos são bem reclináveis, chegando próximo aos 180º propostos pelo leito. Não é o bastante, mas vá lá.

É isso que me incomoda, se os bancos conseguem encontrar uma angulação na quase perfeita horizontalidade, eles precisam se espichar para um lado. É aí que entram as pernas. O banco da frente, quando está totalmente abaixado, fica muito próximo das minhas pernas, sobrando alguns poucos centímetros de margem de erro. Assim, para se virar ou colocar o sapato tirado horas atrás é um sufoco.

Sem falar na privacidade que é perdida totalmente nestes bancos de super inclinação. Agora imaginem o passageiro que está sentado atrás de meu banco. Se eu estou todo espichado no meu quase leito e o colega atrás está com o banco levantado, ele fica com o rosto muito próximo da minha cabeça. Às vezes, enquanto lê um livro, ele pode desviar o olhar para o topo de minha cabeça e ficar reparando nos meus redemoinhos. Quem sabe até saiba o que eu estou sonhando enquanto durmo inocentemente.

Sei que num ônibus leito, com suas poltronas de quase leito, você estará sendo atacado por todos os lados. Ora a mulher gorda da frente que desaba a poltrona sobre as pernas, pondo em risco a sua capacidade de voltar a andar. Ora o parceiro de trás que sorrateiramente fica de posse de todos os seus segredos, desde sonhos até falhas de cabelo. Ora o amigo ao lado com seu cotovelo de aço ou seu filho de estômago fraco.

Mas uma viagem de ônibus é assim mesmo. Aqui na poltrona ao lado da janela, me refugio e contemplo a amiga Lua que passeia sozinha do lado de fora. E tento me livrar das ameaças de mais uma viagem de ônibus.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Na ponta do lápis

Certa vez disse pra minha mãe que eu sou um sobrevivente. Um cara que tenta sobreviver ao mundo, desviando dos obstáculos postos por ele mesmo. É isso aí, eu sobrevivo a mim. Tenho uma habilidade tremenda de criar confusões e de sair delas. Mas isso já está me cansando.

Um ponto importante dessas viagens para Campinas é o aspecto financeiro. Alguém já deve ter imaginado que não fica barato ir e voltar para lá toda a semana. Na verdade tenho que controlar tudo na ponta do lápis. E driblar algumas dificuldades extras.

A mais importante é como comprar a passagem de avião. Semanalmente pululam nos sites das companhias de aviação promoções e mais promoções de viagens a preços rasteiros. Nunca aproveitei nenhuma delas. Primeiro que a promoção é para um dia específico, uma hora específica e voltada para pessoas que estajam vestindo jeans e camisa pólo azul. Não dá.

Depois que também preciso de um horário específico, nem tão cedo na segunda, nem tão tarde na terça. Ou seja, depois do Labjor e antes do expediente do dia seguinte. É difícil, só o vôo 3557 da TAM às 23h45 de Guaraulhos chegando às 1h25 em Foz consegue esses pré-requisitos. E esse vôo nunca tem promoção.

A Gol e a Ocean Air também fazem o trecho São Paulo - Foz, mas em horários cômicos. O vôo da Ocean Air é quase 200 reais mais barato, mas não encaixa no perfil. O da Gol também sai bem mais em conta.

O negócio é enfrentar o site da TAM e encarar outro problema: pagar no cartão. Nesse mundo pós-moderno o importante não é ter dinheiro, é ter crédito. Embora receba o salário em dia e os freelas aqui e ali, nunca consegui comprar as passagens com meu próprio cartão.

O Visa do Banco do Brasil está capenga, vence em maio e, portanto, não serve mais para fazer compras no crédito. O outro cartão, da Caixa, é uma porcaria de cartão de débito onde eu recebo meu ordenado. A Mastercard está para me enviar o cartão de crédito internacional e o caraio a quatro há 40 dias. Erros de endereço e cá estou eu chupando o dedo.

Resumindo: continuo comprando parcelado no cartão dos outros e pagando quase à vista. As contas se acumulam e o lápis já está quase sem ponta. E eu não sei como vou pra Campinas essa semana.

Alguém aí empresta o cartão? Ou um apontador.

55 horas no pé

Acabei de postar que em uma das viagens embarquei fedido e suando em bica. Já teve outros momentos em que passei algumas horas sem tomar banho e já encontrei seres que realmente precisavam ser apresentados à água e ao sabão. Quando fui pra Fortaleza, os quatro dias dentro do ônibus renderam algumas horas a mais de fedor. Mas em uma viagem em especial, bati todos os recordes.

Foi na viagem número 3, a mesma em que perdi o vôo GRU-IGU (post abaixo, por favor). Havia deixado para viajar só no domingo à tarde, logo, cheguei em Campinas na segunda de manhã e fui direto ao Labjor. Contem comigo: no domingo, um pouco antes do almoço, eu tinha calçado o sapato.

Após as 14h de viagem e os 40 minutos de ônibis metropolitano cheguei à Unicamp, umas duas horas antes do início da aula. Sentei na escadaria do Labjor e tentei adiantar alguma coisa no notebook. Estava com sono, o mesmo sono acumulado que me faria perder o vôo, horas mais tarde.

As aulas se passaram, peguei o Caprioli para Guarulhos e perdi o vôo. Tive que passar a noite no aeroporto com o sapato ainda no pé. Peguei o vôo da manhã e fui direto para o trabalho em Foz do Iguaçu.

Quando cheguei em casa, às 19h de terça-feira, finalmente tirei o sapato. Meu pé parecia uma uva-passa o coitado. E o cheiro era indescritível. O sapato está até hoje na lavanderia e ninguém tomou coragem de lavá-lo. Já dei como perdido.

Relógio, um inimigo

Por muito tempo fui conhecido como o cara mais impontual do mundo. Lutei contra essa fama, pois acho uma falta de educação deixar os outros esperando. E mudei, agora só jogo contra o relógio quando o único prejudicado for apenas eu. Mas tenho abusado. Muita gente diz que eu não levo a sério o tempo e meu histórico advoga contra mim. Bem, seguem alguns relatos.

Não me recordo quando a correria começou. Lembro que no primeiro vestibular para UFPR desci no ponto errado e tive que pegar uma carona salvadora para chegar no local de provas, apenas alguns minutos antes dos portões fecharem (minha mãe diz que reza até hoje para aquela família). No Enem, ano antes, a Comby do pai quebrara no meio da estrada e lá fui eu de carona para Foz do Iguaçu. Isso no século passado.

Em outra ocasião, eu estava tomando banho sossegado na casa dos Coppi, quando batem na porta: "Murilo, que horas é o seu ônibus?", perguntou a Mari. "Dez horas [da noite]", respondi desprocupado. "Aqui tá dizendo que o ônibus é as nove". Saí correndo do chuveiro, me enxugando pelo caminho. Joguei tudo na mala e o tio Ademir me levou para a rodoviária. Até hoje o sincronismo de sinais verdes na Almirante Tamandaré é história na família.

Também em Curitiba, já perdi ônibus para Campinas, tendo que pegar outro fazendo conexão em São Paulo. Em outra viagem, precisei peitar o ônibus para ele parar. Estava com um monte de malas e quando cheguei ele já havia saído. Atravessei duas avenidas e pulei na frente do ônibus. E ele parou.

Quem parou também foi outro ônibus quando eu estava fazendo uma viagem por Iporanga, no Vale do Ribeira de São Paulo. A Sueli no volante, o ônibus lançando poeira em nossa cara. Perseguição igual àquela feita em Campinas, com o Phillip e o Norito, atrás do Caprioli (leia post abaixo). A diferença é que nessa, nós alcançamos o ônibus. Quando entramos, a Tati e eu encontramos uma escurssão de evangélicos. Fomos cantando músicas religiosas o resto da viagem.

Atraso recente

Mas como esses rascunhos se voltam às viagens para Campinas, vale uma última história, que também faz parte da série de fascículos Método Fácil de se Perder Dinheiro. Foi na primeira das viagens para Campinas, uma sexta-feira. Chegara do trabalho e correra para uma lan house (o notebook estava comemorando aniversários no conserto). Tinha que resolver alguns pepinos, sugerir algumas pautas e, claro, comprar a passagem de avião (a volta).

Passei antes na rodoviária e prometi voltar depois com o dinheiro para comprar a passagem. Gastei um tempo na lan, fui ao Banco do Brasil e bingo! Qual é o código de meu cartão? Antes que me critique um aviso: o banco tinha mudado meu código e fazia tempo que não usava o cartão.

Fiquei puto. Consegui, no entanto, falar com um funcionário do banco que já estava fazendo planos de sexta-feira com a família pelo celular. O cara foi gente boa, cancelou meu código e eu pude sacar o dinheiro.

Corri para a rodoviária, mas precisava pegar o comprovante de pagamento do vôo na lan house e tive a idéia de comprar a passagem quando fosse embarcar. Fui para casa para me arrumar e ao chegar no quarto percebi que tinha deixado cair na rua todo os 120 reais da passagem!

Coloquei a mochila nas costas e fui correndo, suado, cansado e com os olhos voltados para o chão. Obviamente alguém mais feliz encontrara o dinheiro antes. Tive que sacar novamente o mesmo valor e voar para rodoviária. Comprei a última passagem, segundos antes de fechar o mapa do ônibus e de ele sair de fato.

Fedido e com 120 reais a menos no bolso eu fiz a minha primeira da série de viagens para Campinas.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Criaturas bizarras

Adoro ir pra São Paulo. Gosto de parar na rede Graal e ver aqueles artesanatos de sempre (além de pagar espetaculares 3,90 por um salgado), gosto daquele clima da rodoviária do Tietê, das pessoas que circulam, da revistaria News, etc. O que me desagrada é a linha de ônibus Foz do Iguaçu-São Paulo. Digo o porquê.

Primeiro que os ônibus da Pluma são péssimos. Absurdo apresentarem ônibus tão ruins para viagens de 14h (teve uma vez, em uma viagem para Curitiba que começou uma goteira no ônibus, tivemos que parar e a reclamação foi geral, mas isso é outra história). Mas os maiores culpados são os passageiros. Vai parecer preconceito meu ou piti gratuito, mas certas criaturas realmente me tiram do sério.

Quem se lembra do início daquele filme Um dia de Fúria, com Michael Douglas, sabe do que estou falando. Ele no carro, a mosquinha em seu pescoço, a menininha lhe encarando, o cara buzinando, o calor, as crianças brincando no ônibus, a cara demoníaca do Garfield. O final vocês conhecem. Eu nunca saí por aí explodindo tudo, mas teve vez que me deu vontade. Voltamos no tempo.

Há alguns anos eu fazia uma viagem de Londrina para Medianeira e tivera o infortúnio de pegar um ônibus pinga-pinga, aqueles que param nos rincões mais improváveis. No finalzinho da viagem, depois de mil paradas, uma criança de estômago rebelde vomitou bem pertinho de mim. Aquela gosma líquida e fedida ficou dançando no chão do ônibus, me ameaçando. Encolhi as pernas na poltrona e enfiei a cara para fora da janela. Começou a chover...

As viagens para São Paulo (ainda) não tiveram vômitos e crianças, mas tem vários elementos que me irritam sobremaneira. A primeira ida para Sampa (a quinta das viagens para Campinas) foi surreal. Já na rodoviária de Medianeira um cara perguntou ao motorista se "dá tempo de ir ali comprar um salgado?".

E eu nem tinha entrado no ônibus.

Peguei uma poltrona lá no fundo. Passei por pessoas dormindo de boca aberta, senhores encolhidos, sentei e enfiei a cara no livro. Fiquei perto do banheiro, de onde horas depois surgiu um cheiro nauseante que se misturou ao cheiro de salgado gordurento.

Não passou muito tempo e uma gorda de camiseta curta começou a discursar: "Olha a gente tem que juntar dinheiro para a caixinha! Todo mundo tem que colaborar. Quer economizar agora, depois nos param e o prejuízo é bem maior".

Caixinha? Que caixinha?, me questionei. Mas voltei ao livro. A gorda veio andando e parou do meu lado pedindo o dinheiro. Na minha inocência eu disse que não sabia dessa tal caixinha e ela: "Você é muambeiro?". Eu: "não". Ela: "Então e é por isso". E voltou ao seu discurso.

Não conseguiram juntar os 300 reais da caixinha, mas por sorte (para eles) o ônibus não foi parado.

Mais bizarrice

Duas semanas depois (a sétima viagem para Campinas), novamente fiz uma paradinha em São Paulo (Star Wars e casamento, leiam no post anterior). Quando entrei no ônibus, de cara, tinha um maluco careca e sem camisa, sentado lah no fundo, sobre aquele frigobar onde ficam os copinhos d´água. Ele me mirava nos olhos. Fiquei sabendo depois que o cara era egresso da cadeia e estava querendo fazer pose de valentão.

Desta vez a minha poltrona era a primeira. Ajeitei minhas coisas e fui ao banheiro, quando vi um cara gordo falando no celular. Ele coçava a barriga, deixando a cueca aparecer. Pasmem, a cueca era do São Paulo FC!!

Aquele cara seria o incômodo da viagem. Ficou um bom tempo no celular conversando alto com um cara a quem ele chamava de "Contramão". Falava palavrões e tinha um tique - igual aqueles "mentira" ou "sei, sei" que todo mundo diz ao telefone, mas muito mais ridículo - que me irritava demais. Uma mulher pediu para ele parar de falar alto e ele deu o clássico infantil "a boca é minha, falo o que eu quiser".

Eu não conseguia me concentrar no livro. Por várias vezes visualizei a cena: eu me levantava calmamente, chegava até o são-paulino, tomava-lhe o celular e jogava pela janela, e arrebentava a cabeça do escroto no braço da poltrona. A tela mental era cada vez mais real, eu já estava fechando o livro, abrindo o cinto da poltrona e cerrando os punhos.

Mas aí o cara desligou o celular e me aquietei no meu canto.