quarta-feira, 30 de julho de 2008

Ponte para Copenhague

Tão rápido quanto as hélices dos moinhos que superlotam o estreito de Øresund foi nossa passagem por Copenhague. Nosso objetivo na capital dinamarquesa era participar de um challenge, uma espécie de desafio científico com propostas de comunicação sobre as mudanças climáticas para diferentes públicos. Muito interessante. Separados em grupo, gente das mais variadas nacionalidades unindo cabeças em torno de um objetivo comum.

Moinhos de vento tomam a vista no Canal do Øresund

Saímos de Malmö após a programação da manhã e eu, que estava escalado em um dos primeiros ônibus, acabei perdendo meu transporte. “Só você mesmo”, debochou o Juttel. Problema dele, teve que me agüentar no mesmo ônibus. Ele e a Rossella, nossa amiga cinegrafista da Universidade de Turin.

Organização para saída e... qual é o meu ônibus?

Atravessamos os quase oito quilômetros da ponte do Øresund que liga as portuárias Malmö e Copenhague. A ponte é o símbolo da conferência "Bridges to the future" e representa a união dos povos suecos e dinamarqueses. Maior ponte rodoferroviária da Europa, ela passa sobre o estreito de Øresund (nome dinamarquês, em sueco é Öresund) que liga o Mar Báltico a outro estreito, o de Kattegart, ao norte, em direção ao Mar do Norte.

Ponte do Øresund ligando Suécia e Dinamarca

A vista, lógico, é belíssima. Ao fundo dezenas de moinhos de ventos aproveitam a brisa local. No final, a ponte se transforma em um inusitado túnel que nos leva até Copenhague.

Foi possível ver um pouco da arquitetura de Copenhague, bela como a das outras cidades européias, mas ainda assim peculiar. Tijolinho à vista em muitos prédios; me disseram que ela tem a arquitetura semelhante à da Irlanda e da Inglaterra. Na viagem de volta, entretanto, um britânico afirmou que Londres é muito mais bonita.

Copenhague: arquitetura européia, mas com peculiaridades

Desembarcamos no Copenhagen Bussines School onde ocorreu o Challenge. Fomos recebidos por autoridades, dentre elas a ministra de Clima e Energia da Dinamarca, Connie Hedegaar. Discursos iniciais, apresentações, mas vamos pôr a mão na massa. Cada um encontrou o seu grupo e fomos discutir comunicação científica.

O meu time tratou sobre a mídia alternativa. Uma belga, um alemão, uma japonesa, uma sueca e um brasileiro procurando modos alternativos de se divulgar a preocupante questão das mudanças climáticas. Foi muito proveitoso, todos se respeitando e aprendendo sobre como a ciência é divulgada em cada país. Sugeri que fizéssemos uma sugestão local, regional e global. Mas foi o alemão, eficiência teutônica, que deu o primeiro pitaco para encerrarmos o trabalho.

Welcome to Challenge: grupos com propostas de comunicação

Apresentamos algumas das sugestões na assembléia e discutimos. Foi bastante proveitoso e intensamente enriquecedor. Saímos de lá com a certeza de que há uma comunidade de divulgadores da ciência em muitos países e que o tema é encarado com seriedade em outras partes do globo.

Why Copenhague?

No Museu Nacional de Copenhague, além da comilança, teve um interessante teatro em que fazíamos o julgamento de dois cientistas. Quem dizia a verdade? Muito legal, embora o Mr. Pal Asija tenha chamado a atenção novamente ao interromper a encenação e sentar-se nas escadas. Conhecemos o museu, as coleções histórica, etnográfica, cultural. Completo. Fim da viagem, ônibus pronto para sair e nós naquela dúvida. Acabamos deixando o transporte ir sem nós. Ficaríamos em Copenhague, só não sabíamos onde.

Tentativa de teatro e Mr. Inconveniência em ação

Mais uma vez nosso pouso foi resolvido por um acaso. Andamos pelo centro da cidade com as italianas Rossella e Frederica. Vinha batendo papo em italiano com a Rossella, desistindo de treinar o inglês, mas me dando muito bem na língua latina. O Enio e o Juttel treinavam a Frederica – ela falava a todo instante: “Eu posso falar português. Eu moro em São Paulo, no Bexiga”. Mas sempre errava o nome do tradicional "bairro" paulistano, tomado por imigrantes italianos.

Conhecemos uma praça, umas construções históricas, alguns canais, sem saber bem o que é o que. Mas precisávamos de um lugar para ficar e foi a Frederica que resolveu: ficamos em um quarto ao lado do dela, em um predinho perto do centro. A Rossella dormiu com Frederica; o Juttel e eu dormimos no outro quarto.

Frederica e Juttel, viagem de volta. Prontos para um dia importante?

Outro dia cedinho, nós sem coroas dinamarquesas no bolso emprestamos algumas moedas das meninas e, os quatro, pegamos o trem para cruzar novamente o Øresund em direção à Suécia. Era dia 27, dia importante. O nosso dia na conferência!

domingo, 27 de julho de 2008

A catedral de Lund

Malmö, primeiro dia de conferência. Um careca conhecido por Mr. Fred Kavli apresentava o Prêmio Kavli, um mimo de U$ 1 milhão para os pesquisadores que se destacarem em três áreas da ciência: Astrofísica, Neurociências e Nanociências – as três escolhidas a dedo pelo super-rico. “Esses loucos milionários que aparecem nos filmes financiando pesquisas existem de verdade”, sentenciou o Enio ao meu lado. Assim como o Mr Kavli, a pequena cidade de Lund, vizinha a Malmö, parece ter saído da tela de cinema. Mas existe de fato.

Lunds domkyrka: uma das primeiras, e boas, impressões da cidade

Lund é uma cidade universitária, realmente universitária. A proporção de estudantes para outros moradores é de, se não me engano, 40 por 1. Em férias, a cidade pára. Ela também abriga marcas famosas em seu entorno, como Tetra Park e a sueca Sony Ericsson, que contam com a mão-de-obra especializada local.

Direto dos filmes adolescentóides: os adolescentes!

A cidade é linda. É como entrar naqueles filmes adolescentóides em que tudo ocorre na universidade. São casinhas, ruas de pedra, praças com árvores centenárias e igrejas de igual idade. Lund respira história. Incerta, a data de sua fundação varia entre os séculos 8 e 9, mas isso não importa. O que conta é como fomos recebidos na Universidade de Lund. Que recepção!

Após o coquetel, assistimos a um show a laser – divulgação dos princípios de ótica, dinâmica, cinética, etc em um lindo espetáculo de luzes. Então almoçamos em um salão todo ornamentado – fabulosa programação cultural e boa comida. Havia milhares de talheres, pratos e taças na mesa e, pasmem, utilizamos todos. Participamos de um jogo que precisava montar um quadrado respondendo perguntas científicas. O Juttel, eu, um cara do MCT e um australiano de cara fechada mas muito simpático nos saímos muito bem.

Confraternização: músicas, danças, discursos e boa comida
Interessante ficar um dia todo sentado, sendo servido pelo batalhão de garçons que chegavam em formação de ataque e eram sempre aplaudidos por um cara na primeira fileira. Muito boa e calorosa recepção em Lund.

Na volta, passamos pela onipresente Lunds domkyrka, a catedral local. E fomos embora. Cansado de tentar entender o inglês arrastado, fui arriscar o meu italiano com um grupinho no fundo do ônibus: Frederica, Rossella e Ferdinando. Figurinhas que voltarão a aparecer nessa história.

Mas não agora. No próximo post.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

O farol de Malmö

Sentei no chão, abrindo o macbook no colo e tentando uma conexão. Nada. O Juttel olhava para os lados em busca de gente. Ninguém. E nós, em frente ao Fórmula 1 Malmö estávamos perdidos. Sem reserva, sem alguém para nos atender, sem lugar para ficar.

Portuária, a cidade de Malmö tem no farol um de seus símbolos

Vínhamos nos arrastando desde a estação central reparando os nomes das ruas da pequena Malmö. Cidade bonita, aconchegante e ainda mais silenciosa que a Terra do Nunca Estocolmo. No outro dia, no ônibus metropolitano, nos sentimos uns boçais: em meio a tanto silêncio, qualquer reação mais exaltada parecia bagunça.

Em Malmö, calados já éramos tidos como loucos

Os dias em que ficamos em Malmö foram dedicados exclusivamente à conferência da PCST-10, uma entidade internacional que reúne experiências de divulgação da ciência no mundo todo. A conferência, ocorrida a cada dois anos, aconteceu na universidade de Malmö, mas estendeu sua programação com eventos na universidade da vizinha Lund e o Challenge em Copenhague.

A ponte e parte da cidade - bela vista da Universidade de Malmö

Jornalistas, pesquisadores e divulgadores da ciência dos quatro cantos do globo, inclusive do Brasil, foram contar em Malmö suas histórias. Sobre a nossa, da equipe “Bem me quer, mal me quer”, falo mais adiante. Antes, precisamos resolver a situação de dois carinhas, que ficaram parados em frente ao hotel Fórmula 1, esperando que voltemos a falar deles.

Sem ter muito o que fazer fomos pedir informações em um posto de gasolina próximo ao hotel e percebemos que, apesar de silencioso, o povo de Malmö é muito receptivo. A moça loira não só nos atendeu bem, como fez a reserva por telefone no hotel e chamou o táxi. E após um interessante bate-papo com a taxista, chegamos ao IBIS no mesmo instante que o casal Flavinha e Davi fazia o check-in. Estávamos salvos.

Papo sério: a conferência

Abertura da conferência PCST-10: sincronia de interesses

O outro dia (25) amanheceu cedo, literalmente. Nessa época de verão europeu os dias são bem mais longos. Especialmete na Suécia onde ocorre o conhecido Sol da meia-noite. Em Estocolmo, lembro-me da gente andando pelo centro em pleno “dia”, embora fossem passadas nove horas da noite. Também pela janela do navio-hostel, a luz do sol entrou cedo no outro dia. Acho que por lá, os galos tiram férias no verão.

Na conferência era tudo novo. Interessante encontrar pessoas de outras partes do mundo com o mesmo objetivo seu. É como participar de um show de uma banda internacional, todo mundo esperando o solo da bateria ou o acorde de guitarra mais elevado.

Obviamente alguns personagens se destacaram. Como o onipresente senhor gordo e careca, com seu crachá luminoso e chamando a atenção por onde pisava – desde a pré-conferência até o último dia do evento. Aliás, já na pré-conferência ele soltou a pergunta: "Qual a diferença entre uma má divulgação de uma boa ciência e uma boa divulgação de uma má ciência?!", o que deixou os prêmios Nobeis desconcertados.

Na conferência, acompanhamos algumas experiências interessantes, como programas de TV holandeses que mostram o lado lúdico e engraçado da ciência, ou ainda, a proposta suíça do uso de filmes bloockbusters para educação científica.

O onipresente Mr. Pal Asija, aqui incomodando alguém da organização

E a programação do primeiro dia nos guardava uma surpresa. Conheceríamos a encantadora cidade de Lund. Pegamos um ônibus em Malmö, passamos por estradas esverdeadas ornadas por moinhos de vento e nos arrepiamos ao entrar naquela aconchegante cidade universitária. Tão acolhedora que parece de mentira.

Um dos vários moinhos de vento. Esperem pela viagem a Copenhague.

Mas não é. Conto pra vocês no próximo post.

terça-feira, 22 de julho de 2008

No trem... de novo?

Uma das poucas atualizações desse blog lá da Europa foi a viagem de trem Estocolmo - Malmö (leiam abaixo, texto curtinho). Fato é que rascunhar do exterior não foi trabalho fácil - inexiste internet gratuita em todo o continente, da Escandinávia ao leste europeu. Até se encontra redes wi-fi aqui e ali, mas todas com o maldito cadeadinho, protegidas por senhas e tarifas mensais. Por isso, consegui acessar a internet somente em um computador maluco no Hotel de Estocolmo, onde tinha o Icebar da Absolut; na conferência em Malmö e no hostel, em Budapeste.

No trem: quatro horas desbravando a Suécia

Explicadas as falhas, voltamos ao trem. Viagem curta, quatro horas talhando a Suécia no sentido Norte-Sul. Enio, Juttel e eu novamente juntos. A tiracolo dois turcos, dois mexicanos e um bando de sueco silenciosos. Também tinha cachorros, crianças, pessoas loiras, e um cara gordo que pediu o nosso ticket um par de vezes.

O trem tem vagões de tudo quanto é tipo. De ricos a miseráveis, passando por portadores de cães; vagões-restaurantes e com parques para crianças brincarem. Entre os vagões, portas difíceis de se abrir - enquanto nós procurávamos nosso vagão, abria e fechava as portas com as mãos e com muito esforço. Bem depois fui saber que bastava apertar um botão ao lado da porta que ela se abria automaticamente. Tivesse visto outra pessoa fazendo, teria aprendido. Como diz o Enio: "Monkey see, monkey do!"

Mãe e filha. Cena cândida e cuti-cuti

Sentamos próximos a uma bonita família árabe (minha aposta): papai, mamãe e filhinha. Ao meu lado uma menina que não descolou os olhos do livro e do lado do Enio um cara que não descolou os olhos da gente. "Como esses macaquitos são barulhentos", deve ter pensado. O cara não conseguiu ler nada.

Enio e o insistente sueco. Leitura difícil

O sueco tentou voltar para o livro quando nós sossegamos um pouco. Na poltrona ao lado, a mãe árabe ensinava a filha a desenhar - cena linda. O Juttel preenchendo alguns cartões postais para a tia e a avó (sim, ele foi criado pela avó), o Enio folheando uma revista do trem e tomando a água Loka e eu escrevendo aquele primeiro post. Só para quebrar o silêncio, o Enio proferiu a frase: "Já vi muita revista feita nas coxas, mas desse jeito só agora" e apontou para a revista que folheava. O nome: "Kupé".

Escrevendo o primeiro texto sobre o trem. Tentativas frustradas de atualização

El Chavo del Ocho

Estava cansado de ficar parado e fui andar. Sei que vaguei pelos vagões algumas vezes. Em uma delas, com o Enio e o Juttel fomos tomar alguma coisa no restaurante. Ficamos um tempo conversando com o Juan Nepote, um mexicano de Guadalajara gente finíssima. Conversamos sobre futebol, divulgação científica, fronteira com os Estados Unidos, novelas e, claro, Chaves.

Com o mexicano Juan, bate-papo sobre "El Chavo del Ocho"

Reconhecemos que o Brasil todo é apaixonado pela criação de Roberto Gómez Bolaños, que o Silvio Santos é nosso herói por manter o Chaves na programação, e que os caras do SBT são uns criminosos por editarem os episódios. Falamos de curiosidades e algumas piadas de Seu Madruga e Quico, disparado os personagens mais engraçados:

Chiquinha: Me diga papi... Por que os pássaros voam?
Seu Madruga: Porque eles têm asas.
Chiquinha: Me diga papi... E porque os pássaros têm asas?
Seu Madruga: Pelo mesmo motivo que os elefantes têm trombas.
Chiquinha: Me diga papi... E porque os elefantes têm trombas?
Seu Madruga: Porque senão eles seriam capivaras!
Chiquinha: E se as capivaras tivessem trombas seriam elefantes?
Seu Madruga: Não... seriam trapezistas de algum circo tchecoslovaco!

O Seu Madruga é o melhor!

Próxima parada: Malmö

Bem, a viagem seguiu e nós nos acalmamos. O Juttel conseguiu dormir estirado entre poltronas e eu até que tirei um cochilo. O trem parou na estação de Lund e logo em seguida em Malmö. Nos despedimos do Enio, ele pegaria um ônibus para Copenhague para ficar na casa de uns camaradas.

... e cansado de tudo isso, Juttel dorme

Quanto ao Juttel e eu, bora bater perna por Malmö, se impressionar com o nome das ruas e descobrir que não havia mais vagas no Hotel Fórmula 1.

Mas isso é assunto para o próximo post.

domingo, 20 de julho de 2008

Do you speak english?

Estávamos andando do hostel ao centro de Estocolmo e começamos a reparar as placas de sinalização. Parece brincadeira o que está escrito. Aliás, o que está escrito? O Enio, o Juttel e eu demos nossa própria interpretação do tipo “Se o tufão passar, vá de táxi”, e outras coisas do gênero.

Tentativas frustradas de entender essa estranha Europa

Algumas coisas, entretanto, acabam ficando óbvias demais. Nos metrôs da Suécia, por exemplo, é fácil se orientar: quando diziam “Nesta” significava “na próxima” estação. Nada mais óbvio. Em Malmö, primeiro dia, o Juttel e eu reparamos os nomes das ruas – terminações em gatan (rua) ou vägen (?). “A próxima rua se chama Industri..., ganha um doce se souber o resto”, dizia eu. “Industrigatan!”, respondia. E o filho da mãe acertava. Na Alemanha, os parques terminam em garten e em Viena as praças em platz. Em Budapeste, tudo é acompanhado por tér ou utca. O primeiro significa praça. Ignoro o segundo.

Em Malmö, leitura farta

Aliás, comunicação foi um tema interessante por toda viagem. Na Suécia pululavam aquelas palavras gigantescas, as tremas (ö) e aquelas bolinhas sobre as letras (å). Em Copenhague, a moda são os zeros cortado, sinal do conjunto vazio, que está no próprio nome da cidade: København. Em Berlim voltaram as mega palavras, que continuaram em Viena. Em Budapeste a novidade são as palavras com vários acentos agudos e, por fim em Praga, ficam valendo os acentos circunflexos de ponta cabeça.

Placas: elas certamente querem dizer alguma coisa

Mais interessante ainda foram as tentativas de comunicação falada. O pessoal se orgulhou de ter desenvolvido o inglês e eu me dei bem nos dois dias conversando em italiano com a Frederica e a Rossella. Era hilário ouvir a Frederica dizendo a frase treinada “Eu posso falar português, eu moro no Bexiga!”. Mais hilário ainda era ver o Enio tentando falar italiano, o Juttel espanhol e o Murilo inglês.

Não entendi!

Mas em algumas ocasiões é preciso relevar. Passamos por países bárbaros em que o idioma quando não se resume a grunhidos, é um compilado de sons impossíveis de serem repetidos. Ao menos para nós gente normal.

Por exemplo a voz eletrônica no metrô, em Budapeste, logo quando cheguei na cidade. Parecia filme de terror. Pior ainda foi no dia do martírio (leia mais a frente) ainda em Budapeste. O som que saía do sistema de auto-falantes na estação de trem era tudo menos palavras. Ritmado, parecia música. Somente húngaros para entender. Ou nem eles.

Em alguns casos, no entanto, era até divertido estar numa torre de babel. Em Praga, passeava no meio daquelas hordas de turistas ouvindo mil e um idiomas. Tinha hora que o som era tão diferente do inteligível que mais parecia um “crá-crá” de urubu-rei. E evoluía. Dependendo da nacionalidade do falante eu ouvia o som das baleias ou ainda aquele “bló-bló-bló” da professora do Charlie Brown.

Agora, tão divertido quanto não entender patavina é não ser entendido. Na capital tcheca, eu ficava perdido pelas ruelas falando alto “Como é bom falar e não ser entendido. Oi turista, você não faz idéia do que eu estou dizendo”. E o pessoal nem aí.

Nas lojinhas e mercadinhos, depois de comprar coisa para comer sem saber o que era, eu sempre agradecia. Mas em alguns lugares tanto fazia dizer “Thank you” ou “Tua mãe”, a pessoa não entendia mesmo.

Em Berlim, bonequinho do semáforo é atração turística. Em Budapeste, sinais para ciclistas

Já em Viena, o Juttel abusou. Estávamos no aperto da Fanzone, para ver a final da Eurocopa, e ele gritou para mim: “Murilo, espera que tá apertado. Esta gorda aqui tá me esmagando”. Depois reconheceu que a moça poderia ter entendido. Mas ela não entendeu.

No metrô, ainda em Viena, fizemos terrorismo com uma pobre menininha, cuja mãe no celular nem notou nossa presença. “Olá pequena austríaca, eu sei que você não pode nos entender, mas você deve ter medo”, dizia o Juttel para o desespero da menininha. “Meu amigo aqui ao lado adora cérebro de criancinhas”, falava apontando com a cabeça para mim enquanto eu fazia cara de psicopata. A menina se encolhia no colo da mãe. A mãe nem tchum.

Meu Deus, que maldade!

Mas se virar em meio a idiomas bárbaros não é lá tarefa de outro mundo. Depois do “Do you speak english?” nos restam os gestos. E há certas mensagens que são universais, como perguntar as horas, por exemplo. Basta apontar para o pulso e fazer uma cara de interrogação. Aí não importa se você diz “Que horas são?”, “What time is it?”ou “O corvo pousou sobre meu ombro!”. O cara vai sempre mostrar o relógio.

A moral da história? Sei não. Talvez “quem não se comunica se trumbica” ou “quem tem boca vaia Roma”. Algo assim. Ou em qualquer outro idioma.

Sem lenço e sem documento, mas em Estocolmo

Já contei aqui neste blog alguns casos em que uma viagem mais longa me forçou repetir a roupa por um ou dois dias. Teve até aquele extremo em que usei o mesmo tênis por dois dias diretos (“55 horas no pé”, leia abaixo), mas não contava com isso na Europa. A falta da mala não chegou a ser um grande problema, mas em algumas ocasiões eu fiquei honestamente irritado.

Foi com este estado de espírito que paguei a diária do hostel na primeira noite em Estocolmo, na verdade a primeira noite bem dormida na Europa. Lembro do Enio tentando me consolar, diante da possibilidade de minha viagem ter chegado ao fim: “Você pode comprar novas roupas em brechós. Dizem que é super barato aqui na Europa”, disse. O que ele não sabia é que eu ainda esperava receber a mala de volta.

Navio-hostel. Ao fundo a bandeira de Estocolmo, símbolo da realeza sueca

Enfim, fomos para o quarto do hostel que ficava, pasmem, sobre as águas. É isso aí, ficamos hospedados em um hostel dentro de um navio. Show de bola. Ancorado no canal de frente para o castelo onde mora a realeza sueca, inclusive a brasileiríssima rainha Sílvia, nossa vizinha de quarto.

A paisagem era de arrasar – não aproveitei quando cheguei porque estava puto, mas pela manhã pude ver bem. No grande canal, alguns navios maiores que o nosso se enfileiravam e, na outra margem, a sempre belíssima arquitetura de Estocolmo: castelos e construções multicoloridas.

Pose na frente do navio. Descanso merecido

Abandonar o navio

O banho quente foi uma dádiva, mas eu precisava acessar a internet. Busquei um wi-fi no navio, só que a tomada era de outro mundo – somente em Berlim eu comprei um adaptador, e até lá fiz minhas gambiarras. Meio que no estilo MacGyver, destruí um adaptador antigo amarrando com pedaços de sacola plástica e apoiando na parede com uma bermuda. Consegui ligar o notebook.

Abandonar o navio: Juttel com sua mala e eu com a mesma roupa

Até aí tudo bem. Só que aquela era minha única bermuda. Quando fui pegá-la paa usar, provoquei um curto-circuito que derrubou a chave de luz do quarto. “Imagine se você bota fogo no navio”, sugeriu o Enio.

Resultado: não consegui wi-fi (explicam-se as não atualizações lá da Europa) e derrubei a luz. Dormimos aquele dia como anjos, mas no escuro.

Adeus Estocolmo

Não conhecemos o Museu do Prêmio Nobel por dentro, mas foi show de bola a recepção na prefeitura de Estocolmo. Um cara cheio de medalhas e pose de fidalgo nos recebeu. Era o prefeito.

Salão Dourado: mosaicos, vitrais e a deusa de Estocolmo

Seria redundante dizer, mas eu não resisto. A prefeitura de Estocolmo é belíssima. Conhecemos também a câmara dos vereadores, e alguns salões onde realizam cerimônias como a entrega do Nobel. O Salão Dourado, todo decorado com mosaicos e vitrais lindos, é guardado pela deusa que simboliza a cidade de Estocolmo. A torre construída em 1911 é uma imitação fiel de outra existente em Copenhague. Mas para manter acesa a chama da rivalidade, a torre sueca é um metro mais alta que a dinamarquesa. E o jardim em frente à prefeitura é repleto de estátuas, e fica diante do canal.

Aquelas eram nossas últimas horas na bela Estocolmo. Lugar onde o Brasil triunfou pela primeira vez na Copa do Mundo, em 1958, e onde o meio ambiente ganhou ares institucionais e o conceito de sustentabilidade foi criado, na conferência de 1978. Por dois dias fomos seqüestrados por esta cidade e, só para aproveitar o termo conhecido, desenvolvemos a Síndrome de Estocolmo: nos apaixonamos por nosso algoz.

Estátua e o canal, em frente à prefeitura de Estocolmo

Mas o passeio pela Suécia continua em Malmö, onde ocorreu a conferencia. O Enio, o Juttel e eu pegamos um trem que atravessou o país rumo ao Sul, naquela cidade portuária. Viagem tranqüila e bastante interessante.

E eu ainda sem minha bagagem.

sábado, 19 de julho de 2008

Um dia na Terra do Nunca

Quem já foi para Estocolmo vai concordar comigo que aquele lugar não existe. É tudo muito silencioso, calmo, perfeito. As paisagens são tão bonitas que a gente, perdido no centro histórico, fica meio bobo com a câmera fotográfica na mão. Costumava dizer que para onde apontar a objetiva e disparar a câmera a foto ficaria boa. Mas antes de chegar ao sonho, passamos por um pequeno pesadelo.

No metrô de Estocolmo, Murilo sem mala e Juttel... sem graça

Era dia 23, segunda-feira, o Juttel e eu estávamos pregados de sono quando pousamos no Arlanda, o aeroporto internacional de Estocolmo. Estávamos com pressa, a pré-conferência já havia começado, por isso corremos buscar as malas. O carrossel das malas girou, girou, girou e como em um sorteio na roleta deu o meu número: minha bagagem tinha ficado em algum lugar entre Guarulhos e Amsterdam. Mas não estava em Estocolmo.

Como diria a letra da música: fui ao inferno pela primeira vez!

Juttel pagando de gatinho na estação central de Estocolmo

Bem, corremos do aeroporto para onde estava ocorrendo a pré-conferência: Vetenskapsakademien, que em sueco deve significar academia de alguma coisa. Nome engraçado, mas bem apropriado para a Terra do Nunca. No metrô, sinistro, fomos sentindo o clima silencioso de Estocolmo, pessoas louras e quietas, escadas rolantes gigantescas, propagandas bizarras.

Vetenskapsakademien: torneio para ver quem falava mais rápido

Na academia nos reencontramos com Enio, Davi e Flávia. A programação era palestras com dois prêmios Nobel – prof. Peter Agre, laureado em 2003 com o Nobel de Química, e prof. Frank Wilczek, Nobel de Física em 2004. O tema da pré-conferência, ali na Royal Swedish Academy of Science, era a comunicação pública do Prêmio Nobel. Muitíssimo interessante.

Nobel de química e física e pesquisadores de igual gabarito: Enio, Davi e Flávia

Conhecemos o lugar onde eles quebram as cabeças para definir todos os prêmios Nobel, discutimos sobre a experiência de divulgação científica em cada país e percebemos que no Brasil estamos bastante adiantados. Orgulho. "As discussões aqui são muito rasas", reclamava a Flavinha.

Dali partimos para o centro da cidade. Aos cinco do “Bem-me-quer” incorporou-se a Germana, colega nossa do Labjor que também apresentaria um trabalho na conferência.

Beleza para todos os lados

Antes da cidade, conhecemos o grandioso Museu de História Natural de Estocolmo. Show de bola o realismo das exposições. Depois nos abastecemos em um mercadinho gastando nossas primeiras coroas suecas e fomos bater perna no centro histórico.

Belíssimo Museu de História Natural de Estocolmo

Como sugere o nome da terra de Peter Pan, é tudo maravilhoso. Lindíssimas construções separadas por ruelas de pedras. Ladeiras que chegam a prédios ainda mais fabulosos. Praças, canais, igrejas. A história da câmera fotográfica não é exagero: para onde apontar, o clique é garantido.

Turistas Enio e Davi fazendo pose. Tanto o modelo quanto o fotógrafo

Em Estocolmo começou uma brincadeira boba, mas muito engraçada: os trocadilhos infames. Uma verdadeira praga que nos acompanharia por toda a viagem (inclusive em Praga, ó Deus, não acabou). Na capital sueca, o trocadilho era meio óbvio: “Como você está?”, perguntava um. “EstouColmo!”, respondia outro antes das vaias. E quando paramos em um barzinho para tomar a cerveja local, não perdemos a chance. Pudera, o nome da bebida é “Pripps Blå”, ou seja, Blå Pilsen. E a água mais famosa é a Loka.

Mais fotos. Agora, Enio e Juttel. Para onde apontar o click é garantido

“Pessoal vocês estão carregando o passaporte?”, perguntou a Flavinha. “Aqui não precisa, ninguém vai checar", respondeu o Davi com autoridade. “Mas em Praga é bom carregar, porque a República checa!”, completei. Acho que foi a risada mais intensa e espontânea que tivemos em anos.

Murilo em Estocolmo: beleza para todos os lados (se é que vocês me entendem)

Frio, muito frio!

Para ser completo o dia, precisávamos de um refresco. Eu era só sono e não estava muito para brincadeira, mas acordei de vez com a proposta. Entramos no famoso bar de gelo da Absolut em Estocolmo. Parecíamos esquimós naqueles casacões enormes. Lá dentro um frio glacial: paredes, poltronas, copos, tudo de gelo.

Mas esquentamos um pouco o clima quando encontramos outros latinos sangue-quente. Ficamos cantando “Aquarela do Brasil” com uma turma de espanhóis e gritando o nome dos dois países. O resto do pessoal não entendeu muito bem, mas fizemos um agito naquele bar que tremeu aos nossos gritos. Diversão total no frio de Estocolmo.

Ao chegar no hostel, no entanto, descobri que a KLM ainda não enviara minha bagagem. Puto da cara, fui ao inferno pela segunda vez.



E de lá continuo essa história.