quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Respiro: faltou a perninha

A viagem que fiz para Aracaju, em 2009, para comprar meu primeiro carro é digna de registro - ainda farei isso quando retomar as rédeas deste blog. Aquele ano foi interessante. Bonfim, um Honda Civic 2000 que comprei de um amigo sergipano, nunca foi meu. As tentativas de transferência para meu nome foram todas infrutíferas e, após menos de dois anos, roubaram o carro de mim (spoiler) sem ele passar para meu nome. Na época, escrevi um texto para mostrar os dramas da burocracia do Detran. Colo aí para vocês:

Faltou a perninha

Tenho uma teoria de que em certas ocasiões da vida nos falta a perninha da aranha. Na verdade, falta a perna traseira da aranha negra da última árvore do morro encantado. Eu até tenho a perna dianteira, mas não a traseira. Calma, explico. Você já passou por aquele momento em que falta algo específico, bem específico, para conseguir alguma coisa? Comigo acontece quase sempre. Ilustro com um diálogo de infância entre minha mãe e eu:

- Filho, já arrumou a cozinha?
- Já mãe.
- Secou a louça?
- Sequei.
- Limpou a pia?
- Limpei.
- Varreu o chão?
- Varri, mãe!
- E limpou as frestinhas dos azulejos atrás da geladeira?
- Não, isso eu não fiz.
- Ah, então você não arrumou a cozinha!

A danada sempre vencia.

Enfim, convivo com o problema da perninha da aranha, ou da fresta do azulejo, há muito tempo. Já passei pelo martírio de não conseguir descontar cheque no banco, por meses a fio, devido ao maldito casal de riscos no cantinho, entre outras coisas. Parte, grande parte, por erro meu – sou um sobrevivente, reafirmo. Mas muito também pelo destino.

A última dessas foi hoje (08/10/09) quando fui fazer a transferência do carro, um Honda Civic 2.000, para meu nome. Seria o fim de uma longa semana de trabalho, a resolução de todos problemas. Mas faltou a perninha. Tinha começado o processo na segunda-feira, quando levei o carro para fazer a vistoria. De cara, o rapaz me disse que precisava trazer a documentação para Foz e ir atrás de um tal sinal público no cartório.

Tudo bem, lá fui eu para o cartório. Espera na fila e, na minha vez, apresentei os papéis. O problema é que a tabeliã lá de Aracaju casou, mudou nome e assinatura e não atualizou os dados no tabelionato de cá. Não tenho nada com os enlaces da doutora, mas na hora fiquei puto. Tive que ligar para capital sergipana, ajeitar os esquemas, pedir um fax atualizando a assinatura e convencer o pessoal de Foz que sou gente de bem.

Ufa! Documentos em mão, fui me dar conta que o carro, tal como estava, jamais passaria por uma vistoria bem feita. E dá-lhe ajeitar buzina. Mas onde achar buzina de Honda? E dá-lhe comprar pneus no Paraguai, e comprar extintor novo e fazer de mecânicos, técnicos eletrônicos e do Chico Borracheiro meus melhores amigos.

Hoje, último dia para fazer a vistoria segundo me informara uma atenciosa (ironic mode on) atendente do Detran, fui até lá ver no que dava. Estacionei o Honda, sorriso no rosto, o carinha começou a analisar o carro – pediu da luz, das setas e do freio, mas nem olhou os pneus, passou batido pela buzina e ignorou sobremaneira meu extintor zero quilômetro. “Tem um problema aqui”, falou. E eu saí do carro.

Estava rompido o lacre da placa traseira. Eu tinha a aranha do morro encantado, mas ele queria a aranha de uma árvore específica. Catei o carro, fui trocar as placas, morri com mais cinquenta pila, doei um rim e voltei.

De novo, o inspetor me olhou com desconfiança. Saí do carro e dei tapinhas nas costas do cara. Tudo certo, o carro estava em ordem. Peguei os papéis e fui ter com as atendentes burocratas. Na minha vez, documentos em mesa, mas... “falta um comprovante de residência”. Eu sempre faço isso, sempre me falta algo. Desta vez acertara até a árvore, o problema era a perninha.

Tinha uns 20 minutos ainda antes de o Detran fechar – descobri depois que o meu prazo não vence hoje, mas daqui a um mês (por ser o carro de fora, tenho 60 dias para ajeitar os papéis – preciso ligar para a tal atendente depois). Corri para casa, xinguei os motoristas lentos da pista, os semáforos, deus-e-o-mundo e o time do Palmeiras que não para de vencer no campeonato. Peguei a primeira conta de luz da gaveta e corri para o Detran. Cheguei a tempo.

Bufava, mas fingi tranquilo. Mostrar confiança sempre funciona. Falei em voz baixa e fiquei aguardando a sentença enquanto a moça buscava as informações na Internet. “Tem uma multa aqui de 53 reais, que precisa ser quitada”, falou. Aumentei a voz, vociferei. Falei coisas que não diziam respeito a ela. Eu tinha tudo do morro encantado, até a perninha da aranha. Só que era a perna errada.

Resumo da ópera: depois de viajar seis dias para trazer o Bonfim, o Honda que comprei de um amigo em Aracaju, de ajeitar o carro nos conformes e de arrumar a papelada, estou impossibilitado de chamar o carro de meu por causa de uma multinha de 2005. A tal perninha.

Postado depois:

Tarde, passado das 17h30 do dia 28 de dezembro de 2009. O ano dá seus últimos suspiros e eu aqui ainda na redação. Fiquei um tempo mais só para escrever esta nota a respeito de meu Honda. Ops, ainda não é meu. Após todo este tempo, não consegui fazer a transferência. Sinto-me em um conto kafkaniano, e não sei o que fazer.

Depois que resolvi as primeiras pendengas, fiquei tranquilo, afinal teria 60 dias para fazer a transferência do carro. Descansei uma semana e voltei na correria. Nesse meio tempo surgiu mais um multa do passado – o Detran está me cobrando homeopaticamente. E, por causa dela, perdi o prazo para fazer a transferência e morri com mais uma multa e cinco pontos na carteira, embora tenha pagado a multa com mais de uma semana de antecedência. Não caiu no sistema em tempo.

Neste meio tempo bati o carro. Outro dia na estrada caiu uma parte da lateral dele e, em outro dia, o Flávio saiu com a maçaneta na mão. A segunda vistoria vai vencer e vou fechar o ano sem chamar o carro de meu. Antes do Natal fiz uma última tentativa e tinha dado certo, mas hoje, quando fui ao Detran pela última vez apenas para pegar meus documentos, me disseram que meu pedido tinha sido indeferido. O motivo? Adivinhem. Outra multa.

Agora tenho que pagar a multa de uma infração em Arapiraca, no Alagoas, até amanhã às 14h, dia e horário que o Detran fecha as atividades do ano. Não vou conseguir. Começo 2010 com esta pendência. Tem que pagar IPVA e o seguro obrigatório no estado de origem, lá em Sergipe. E começar tudo de novo.


Neste momento, o Bonfim está em uma oficina mecânica em Medianeira, todo aberto esperando que o livrem dos efeitos de um superaquecimento, que nos deixou no meio da estrada em plenas festas de fim de ano. E o pobre nem dono tem.