terça-feira, 19 de maio de 2015

Dia 9 - Outras viagens virão

Nossa última caminhada começava mais cedo naquele dia 31. Para chegarmos juntos a Paraitepui, Léo saiu uma hora antes do resto do grupo e foi acompanhada por Jane. Mas mesmo para todo mundo, ainda era escuro quando deixamos as barracas.


Último café da manhã em nossos pratinhos alaranjados

O outro grupo que sempre cruzava conosco nos hotéis estava por lá também. Acostumados a dormir tarde, eles devem ter estranhado aquela movimentação loco cedo. Tomamos nosso tradicional café, com o gostoso domplin e seguimos viagem.

Caminhei o tempo todo ao lado de Andri, puxando a fila da infantaria. Um pouco atrás, Borracha seguia com Carlaile, Marcelo, Madie. Luciana, que tinha saído depois, vinha no encalço. Cruzamos cedo por Léo e Antonia e, pouco depois, passamos pela ligeira Jane, logo que atravessamos aquele riacho de nossa primeira parada.


Caminhada vagarosa, sem pressa. Mas que passou voando

Roraima se envergonhava atrás de nuvens e o caminho era cinza. A savana mostrava aquele capim seco e feio que os índios Pémons teimam em queimar para ver a vida florescer novamente. Se a água ditava o ciclo da vida no alto dos tepuis, ali na savana o fogo é quem mandava.

Na companhia de Andri, ouvi o Fantasma do Monte Roraima falar

Não era hora para filosofias. Ouvi Andri contar sobre sua vida e a dificuldade de viver metade do ano longe da esposa e filhos. Deu-me dicas de lugares para visitar na Espanha e os melhores vinhos da região. Era sempre uma aula conversar com o Fantasma do Monte Roraima. Eu procurava prestar bastante atenção e aprender com ele.


O papo estava tão bom que nem sentimos a pernada e logo estávamos naquele mirante. Ali onde tudo começou. Quando a infantaria se reuniu pela primeira vez e eu lamentei ter escolhido carregar a própria mochila. Achava que não conseguiria. Estava errado. E ali, junto a Borracha, a infantaria se reunia mais uma vez.


A infantaria "estendida", com a presença de Marcelo e Madi no grupo dos seis da frente

Tendo Paraitepui à vista, achei que estava perto. Encontrei a fatídica subida, agora descida, do começo da viagem. Era realmente ingrime, tanto que resolvi descê-la correndo numa pernada só, "como cavalo voltando para o estábulo", brincou Andri.


Crianças Pemóns em Paraitepui. A expedição chegara ao fim

Suando, cruzei pelas primeira crianças indígenas e vi uma mulher que lavava roupa me acenar para onde continuar. Depois de 2h30, cheguei ao ponto de partida. Agora ponto de chegada. O bom e velho Andri veio logo depois, seguido por Carlaile, Luciana e Madie. Marcelo apareceu junto com Borracha. O resto da turma chegaria na sequência.

Cães na comunidade Paraitepui

Despedidas

O pastel de queijo com Frescolita era um ensaio da despedida. Cada um pagou e agradeceu seu carregador pelos dias de viagem e nós seguimos de 4x4 até a comunidade de San Francisco para almoçar frango e comprar artesanatos.


Almoço de verdade, com galeto, arroz, feijão...

Sobraram muitos bolívares nos bolsos e os expedicionários deram fins diferente às suas notas. Poucos passaram pelo câmbio novamente. Quando nos despedimos dos guias Tensing e Antonia e dos carregadores Gabriel, Manoel e Roger, já em Santa Elena, sabíamos que aquele era o princípio do fim.


Mulheres maquiadas, homens de barba feita. Os expedicionários tinham ficado para trás

O fim mesmo foi a noite, no Bar Chão de Brasa, em Boa Vista. Combinamos ainda no alto do Monte Roraima que nos encontraríamos num bar para para tomar cerveja e comer carne de verdade. Foi estranho ver o pessoal arrumado, os homens de barba feita e as mulheres de maquiagem. Os verdadeiros expedicionários tinham ficado para trás, em Paraitepui, antes de subirem nos 4x4.


E foi chorando pelas ruas de Boa Vista que terminei minha noite após me despedir de meus amigos. Antecipei a ida pra casa para não alongar a despedida. Abracei e beijei cada um com os olhos marejados. Difícil dar adeus a gente da família. Em viagens longas, a gente cria relações muito fortes com estranhos. Assim, desconhecidos viram irmãos. E o fim de uma viagem encerra uma convivência que nasce com data de validade definida.

Outras viagens virão. Tarén!

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Dia 8 - A travessia do Rio Kamaiwa

O dia mais molhado de toda expedição seria justamente o de nossa descida. Talvez culpa da cantoria de nossos colegas na noite anterior, lá no Acampamento Base. Mais uma vez não tive uma boa noite de sono - acordei de madrugada e fiquei imaginando como seria nossa caminhada 2 em 1. Acordamos no alto do Roraima e dormiríamos aquela noite já no Rio Tek, lá embaixo.


Os vencedores. No final do 8º dia, no Rio Tek, o grupo estava reunido novamente.


Chovia fino. Tomamos café com bollito (feito de milho branco cozido na água quente), ovo e queijo. Vestimos a capa de chuva e nos preparamos para nos despedir do tepui. Um dos apelidos do Monte Roraima, dado pelos Pemóns, é “Mãe de todas as águas” (o que justifica o nome deste especial). Eles não poderiam estar mais certo.

Nosso primeiro trecho foi em linha reta em direção à Pedra Maverick. Fizemos um pequeno desvio para não passarmos em uma parte muito molhada. Pura perda de tempo. Do Maverick, caminhamos para a direita, em direção à boca do monte. O lugar em que, dias atrás, Tensing nos dava o parabéns por termos conseguido chegar ao alto do tepui.

Cachoeira do Monte Roraima, vista já do Rio Kukenan. Dia chuvoso e rios violentos

A descida teria menos cerimônia e mais água. A Rampa era um rio. Encharcamos as botas sem pudor, pisando com cuidado nas pedras molhadas. Foi divertido descer o monte, já estávamos craques em pular pedra, e era interessante aquele exercício de dosar ritmo e cautela - descer num bom tempo, mas sem correr riscos de acidente. O bastão de trekking, mais uma vez, deu uma baita ajuda.

Chovia torrencialmente no Paso de las Lagrimas. O suspiro da subida dera vez ao choro copioso quando passamos por ele. Subimos e contornamos uma pedra (“toda subida é um esforço desnecessário quando estamos descendo”). Fizemos a primeira parte da descida em menos de uma hora.

Três momentos. Amarela Curatella americana, o nervoso Kamaiwa e o fim de tarde no Rio Tek.

Encostamos as mãos na parede do monte para nos despedirmos, assim como fizemos na subida. E encaramos a floresta, prestando mais atenção nas raízes e pedras do que nas plantas endêmicas do lugar. O último trecho é um lance de descidas em uma terra amarela bastante escorregadia e traiçoeira. Passamos por ele, atravessamos o rio e, em menos de duas horas de caminhada, chegamos ao Acampamento Base para uma parada rápida.

Acelera, Tensing!

Bem rápida. Tempo para comer mais um melão com algumas bolachas, ajustar a mochila nas costas e seguir os passos de Tensing, ainda mais ligeiros que o de costume. Passamos pelas cinco descidas iniciais, seguimos por trilhas usadas pelos carregadores e deixamos o monte diminuir de tamanho em nossas costas.

Carregador leva o esqueminha do banheiro. No fundo, o rio Kukenan segue seu rumo

O tepui estava escondido atrás da cortina de nuvens, mas não chovia mais. E mesmo naquela velocidade, apreciamos as plantas da savana bem diferentes daquela flora pré-histórica do Roraima. A amarela Curatella americana chamou minha atenção quando avistamos, do alto, a florestinha onde se escondem os rios Kukenan e Kamaiwa. Chovera bastante e o Kamaiwa prendera nossos colegas do lado de cá dos rios. Encontraríamos o resto da turma mais cedo.

Músicas da viagem

Eles tinham chegado não muito tempo antes, mas já cantavam juntos na mesa as músicas de viagem que ensaiaram na noite anterior. Legal voltar a ouvir o som dos colegas, embora tenha aproveitado aqueles minutos de silêncio na noite anterior.

O Kukenan/Kamaiwa estava tão forte que alguns precisaram atravessar de barco

Batendo na mesa e em coro, o pessoal cantava um a um os temas da expedição: “Você não sabe o quando caminhei para chegar até aqui…” (A Estrada - Cidade Negra), “longe de casa, há mais de uma semana…” (A dois Passos do Paraíso - Blitz) e “ei dor, eu não te escuto mais...” (O Sol - Jota Quest). Letras que falavam muito sobre o que nós passamos.

Na parada no acampamento Kukenan, carregadores improvisam uma bocha com pedras

A despeito da animação do pessoal, os guias estavam tensos. Via-se de longe a cachoeira do Roraima jogando água para o Rio Kamaiwa que, ali no cruzamento com o Kukenan, não queria ceder. “Precisamos de três horas”, explicou Tensing. “Quando parar de chover no monte, esperamos três horas e baixa a vazão do rio”.

Água pela cintura

Esperamos. Almoçamos macarrão conversando com os guias. Os carregadores Pemóns adaptaram uma espécie de jogo de bocha usando pedras redondas. E as horas passaram, até que os guias resolveram atravessar o rio na marra, por uma corda, aproveitando que a vazão tinha diminuído bastante.

Descontração com o caótico Borracha e o gentleman Tensing, no acampamento do Rio Kukenan

Jane e Léo, para se poupar, foram deitadas numa canoa enquanto o resto do grupo encarou a corda e a correnteza. Não estava tão difícil passar pela água, mas, como meu pai costuma repetir, "com rio não se brinca". Luciana e eu fomos os primeiros a chegar à outra margem. Cruzamos também o Kukenan, que estava bem fraco, e ficamos esperando o resto do pessoal para seguir viagem.

Trecho final de um quilômetro entre o Kukenan e o Tek

Faltava aquele quilômetro a mais que separa o Kukenan do Tek. Vimos a igreja católica novamente, descemos uma encosta e chegamos ao rio. Cruzamos e chegamos ao acampamento para deixarmos as mochilas e nos organizarmos para o banho. A água do Rio Tek seria como uma fonte termal depois de tantos banhos frios.

Mesmo no penúltimo dia, nenhum sol pode ser desperdiçado

Um brinde

Aquele entardecer no acampamento Tek foi um dos mais gostosos de toda viagem. Parte pelo clima de despedida e nostalgia que já tomava conta da gente. Parte devido ao pôr do sol fantástico que iluminava o Roraima e o Kukenan para deixar os tepuis guardados bonitos em nossas lembranças. Tirei algumas fotos, mas observei bastante com os olhos para registrar na memória. Aprendera com Tensing.

A infantaria brinda com a aguada Polar Extra Light. Parceiros de caminhada

O pessoal da comunidade Paraitepui tinha trazido refrigerante (Frescolita e Chinotto) e a cerveja aguada Polar Extra Light. Compramos algumas apenas para brindar entre os amigos. Nos reunimos em banquinhos para jogar conversa fora, ritual que fazíamos todas as noites. Ritual que faríamos pela última vez.

Deu dó ir para as barracas e dormir. Ou tentar, preocupado com a chuvinha que nos pegou a noite. A Mãe de todas as águas, mesmo distante, queria dizer quem é que manda naquele lugar.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Dia 7 - A infantaria fica pra trás

Com um grupo tão heterogêneo, os guias decidiram abrir uma exceção em nosso roteiro. Passaríamos o nosso sétimo dia de expedição explorando a parte leste do Monte Roraima e no outro dia desceríamos, de uma vez só, até o acampamento do Rio Kukenan ou do Rio Tek.

 Corajosa, a infantaria escolhe passar um dia a mais sobre o tepui

A opção era, em vez de ficar uma noite a mais no monte, começar a descida já no sétimo dia para, a exemplo da subida, fazê-la em duas partes, com uma parada no acampamento Base. A exceção acabou virando regra e dez dos 14 expedicionários preferiram descer o monte antes. Ficaram para trás apenas “os quatro primeiros”. A infantaria original.

Dia amanhece alegre, com sol-se-botas. Era apenas brincadeira do tempo

Seriam dias diferentes. De folga e mochila de ataque para nós e de descida pesada para o resto do grupo. Compensaríamos a folga no outro dia. Antonia e Borracha desceriam com o grupo maior. Tensing ficaria um dia a mais no alto do monte. Antes disso, os três cuidaram da logística, descendo apenas parte das barracas e dos mantimentos.

Racha no grupo

Após o café juntos, nos despedimos do grupão e partimos para nosso dia de exploração. Vimos a fila de colegas se afastar, em direção à boca do Roraima, e fomos para outro lado, contornando o Hotel San Francisco em direção a uma vista para o Monte Kukenan.

Início de caminhada da infantaria. O grupo ficou reduzido. E mais rápido

Não fazia sol. Não veríamos mais o astro enquanto estivéssemos no alto do Roraima. O jeito foi aproveitar a caminhada, observar as plantas, as formações rochosas. Tensing, pulando de pedra em pedra, parava aqui e ali para mostrar um vale ou uma orquídea nova. Ele nos levou até uma vista, em uma área fora da trilha, onde os guias dificilmente vão. O tempo estava totalmente fechado, mas dava para ver a neblina atacando ferozmente as costas do irmão Kukenan.

O "nada"

O nada é como uma parede bem diante do seu nariz. Um cenário pintado de branco

Em outra parada tínhamos a nítida impressão de estarmos diante do nada, como no final do filme “Show de Truman”, quando Jim Carrey navega até bater em um cenário. Mas diferentemente de um horizonte pintado numa parede, tínhamos uma imensidão branca bem próxima de nosso olhos. Ficamos um bom tempo naquele cenário, debatendo trivialidades como a diferença entre a espírito espontâneo e informal do brasileiro e a objetividade britânica. Tensing só nos observava.

Irmão Kukenan é açoitado pela violenta neblina

Naquela clima descontraído, vi minha jaqueta com uma mancha branca na gola e questionei, em voz alta, o que era aquilo. “Acho que é protetor solar do pescoço que foi pra jaqueta”, explicou Luciana. Então, passei a língua na mancha e disse “sim, é protetor solar”. A Luciana e o pessoal ficaram me olhando. “Você sabe que esta aí é minha jaqueta, né?”. Caímos na risada.

A Catedral, uma cachoeira no interior de uma rocha

Seguimos então para a Catedral, uma cachoeira formada dentro de uma caverna cônica. Fomos para A Janela (La Ventana) que teimava em mostrar apenas nuances da paisagem. Tensing descrevia o que poderia ser visto ali, as várias curvas do Roraima. Vimos pouco. E passamos pelas Jacuzis torcendo - taren, taren - para abrir o tempo para um banho. Não funcionou.

As belas jacuzis não estavam convidativas para um banho

Jane ganha asas

Não era um dia para contemplações, mas bom para caminhar. Talvez pensasse o mesmo o resto do pessoal que naquele momento já tinha vencido a Rampa e estava se molhando um pouco no Paso de las Lagrimas. Com a passada lenta, mas corajosa, Jane procurava preservar os joelhos, já bastante prejudicados na viagem. Um pouco depois do Paso, no entanto, o joelho traiu e Jane escorregou. Rolou e caiu três metros sendo salva por uma das árvores que Tensing certamente tinha nomeado em nossa subida. Por meio metro, quase deixou de ser agarrada pela árvore para ser engolida pelo precipício.

A Jane ganha asas e é salva por uma raiz e pelas mãos de Antonia

“Quando olhei para o lado, a Antonia já estava ali”, lembra Jane. “Ela desceu que nem um raio”. Ao encontrar Jane, Antonia falou que ela podia chorar. “Mas eu não quero chorar”, disse Jane. “Chora, que vai te fazer bem”. E, melhor não contrariar, Jane abriu o berreiro. Depois deste dia, a Jane da Selva, Tia Cidinha, Jane Estivadora, ganhou um novo apelido: Jane Voadora.

Do staff, além do guia Tensing, ficaram Roger, Otávio e sua esposa (não guardei o nome Pemón dela)

Não sabíamos da história ainda quando chegamos ao silencioso hotel. Roger, Otávio e a esposa tinham ficado com o grupo menor e preparavam um chocolate quente para a gente antes do almoço. Era meio da tarde e nos demos o luxo de dar uma boa dormida na barraca antes de sair novamente.

No topo do mundo

Já não aguentava mais ficar na barraca, quando Andri nos convidou para dar uma volta, pegar as banquetinhas e apreciar a paisagem em uma espécie de varanda. A neblina e o dia feio não davam trégua e restou à infantaria ficar ali vendo o tempo passar.

Subida ao topo do Maverick. Pedras para marcar a conquista.

Até que Tensing chegou e nos chamou para escalar o Maverick, o ponto mais alto do Monte Roraima. Andamos até a rocha, passando pelo Hotel Principal e começamos a escalada. De longe ele não parece tão grande. E de cima a visão é impressionante. Ainda que o dia não ajudasse, deu para ter uma ideia dos hoteis ao seu entorno.

Vista do Hotel Principal (não nos hospedamos nele), a partir do Maverick

No Maverick, brincamos com um sapinho-de-roraima (Oreophrynella quelchi), este bichinho minúsculo de 2 cm, totalmente negro, exceto por sua barriga amarela. A coloração ajuda na camuflagem e protege contra os raios ultravioletas, muito comuns no alto da montanha. Endêmico do Roraima, o sapo não é muito bom saltador nem nadador. Nem precisa. Ele bota ovos em abrigos sobre rocha de onde nascem filhotes já crescidos, sem passar pela fase de girino. Outras espécies são encontradas nos tepuis vizinhos, como o O. nigra, do Kukenan.

O simpático sapinho-de-roraima e suas andanças por braços e narizes

Paramos de incomodar o sapinho e empilhamos algumas pedras para provar nossa conquista. Fomos até uma varanda para sentarmos e nos proteger do vento úmido, enquanto brincávamos de Rádio Roraima, especializada em informes sobre as lotações dos hotéis, o tráfego nas vias e o tempo - neste caso a cada minuto era um informe diferente, já que o tempo em Roraima é inconstante.

Formações de Roraima. Esta aí lembra um pato

Na volta do Maverick vimos que La Ventana estava aberta com um milagroso raio de sol. Corremos. Como Tensing tinha que deixar um rádio no outro hotel, Andri e eu puxamos a fila tentando encontrar a trilha. Corri feito louco pulando de pedra em pedra - ainda mais rápido que o dia anterior, quando fomos ao Lago Gladys - ora perdendo ora achando a trilha até chegarmos à Janela. E encontrá-la novamente fechada.

Sem janelas para apreciar, sobrou à infantaria treinar o ataque e a defesa

Nosso tempo em Roraima estava chegando ao fim. Sequer paramos nas lindas Jacuzis para um banho. Caminhamos devagar de volta ao Hotel San Francisco, pisando em uma trilha de areia molhada que lembrava o mar. Em altas temporadas, aquele descampado cheio de bromélias pontiagudas era usado para armar as barracas. O San Francisco não parecia tão ruim assim...

Hits de viagem

O hotel estava silencioso novamente. Bem diferente do grupão, lá embaixo, no acampamento Base. Sem os banquinhos, eles ficaram em pé desviando das goteiras na cobertura de lona. Com a chuvinha constante, sobrou ao pessoal ir cada um à sua barraca. E aí começou a cantoria. Na barraca de Alice e Veridiana, a DJ Tesoura, o som do iPhone estava no último. E o pessoal começou a cantar em coro, em homenagem a Makunaíma - o ancestral guerreiro indígena que vive descansando no topo do monte. Ali surgiram os hits da viagem.

Restou ao grupão ficar nas barracas curtindo os hits de viagem (saiba quais são eles no próximo post)

No alto do Roraima, para não acordar Makunaíma e também evitar a chuva, a infantaria jantava macarrão com linguiça em silêncio. Aquela era nossa última noite lá em cima. E seria uma longa noite. Como dormimos a tarde, demorei para pegar no sono. Dentro da barraca, fiquei vendo as fotos de toda a viagem, fazendo uma retrospectiva dos acontecimentos, nos dias no Monte Roraima: o Lago Gladys, a subida difícil, os rios da Gran Sabana, a comunidade Paraitepui, até voltar a Santa Elena e Boa Vista.

Uma viagem de trás pra frente. Era o que me aguardava no próximo dia.

Dicas deste post
- Se você está bom das pernas, fique um dia a mais no alto do tepui. Não tivemos muita sorte com o tempo, mas as paisagens e a caminhada na parte leste valem a pena.
- Aproveite as paradas, para relaxar e refletir. O "nada" pode ser "tudo" se o tempo tiver aberto. Em todo caso, todas as paradas são ótimas para pensar na vida. Ou pensar em nada.
- Depois de cinco dias no topo, você pode estar de saco cheio, mas, com o tempo bom, tomar banho nas jacuzis é uma boa pedida. Leve o material de banho na sua caminhada.
- Leve uma jaqueta corta vento para o alto do Maverick. E deixe uma pedrinha para marcar sua subida. E não oportune muito o pobre sapinho-de-roraima.
- Nossa heroína Jane alerta para estar esperto na descida ou na subida. As pedras são soltas (embora não escorregadias), principalmente, na Rampa. Embora pareça fácil, uma escorregada pode ser fatal.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Dia 6 - Três nações em um único dia

Precisava de descanso. Chovera a noite toda e tive a ideia de fazer um baita travesseiro enrolando as roupas em minha almofadinha. Deu certo, com as costas confortáveis, dormira muito bem. Não sabia que o descanso seria importante para aquele dia.

No início da caminhada, a infantaria se uniu á turma do Borracha

Começava a nossa volta. Cruzaríamos mais uma vez o monte em sua linha mais longa, andando os 15 km entre o Hotel Quati e o Hotel San Francisco. No dia seguinte, começaríamos a descida. O grupo se dividiria outra vez, com a Turma do Borracha indo por um caminho mais curto enquanto Tesing e Antonia levava o resto do pessoal.

Tomamos café e ajeitamos as mochilas. Alguns aproveitaram para se despedir do esqueminha do banheiro que, ali no Quati, tinha uma vista fantástica. Uma colega, aliás, enquanto fazia o pipi não percebeu dois carregadores Pemóns passarem por ela. Disfarçando, ela disse um “bom dia” bem natural. “Não ia ser mal educada”, brincou depois.

O esqueminha do banheiro, ainda no acampamento Base. Tenda vertical e banquinho de plástico

O esqueminha do banheiro é uma barraca destas altas, na vertical, próprias para isso. Dentro dela, tem um banquinho de plástico com um buraco no meio. O destemido usuário precisa envolver o banquinho em um saco plástico e se sentar confortavelmente para fazer o número 2 (o número 1 é fora). Aí, basta jogar uma colher de cal dentro do saco, fechar bem e deixar do ladinho que os carregadores levam tudo pra fora do parque.

A Turma do Borracha. No centro da foto, Veridiana e suas marcas na canela

Mesmo com o conforto, nem todo mundo tinha desenvoltura para fazer o número 2 ali, próximo da natureza. Teve gente que, reza a lenda, terminou a viagem sem visitar o esqueminha. Outra, quando foi pela primeira vez já no Hotel San Francisco, foi ovacionada e festejada como se tivesse realizado um feito. E realizara.

Três países

Deixando o esqueminha de lado, era hora de calçar a sôfrega bota, ajeitar a mochila nas costas e partir. Fomos guiados pelo Borracha pela primeira vez. Ele nos levou, no passo da retaguarda, até o Ponto Triplo quando nos encontramos com Antonia e Tensing.

No Ponto Triplo, os 14 expedicionários. Glamour cor-de-rosa de Soninha, e face fantasmagórica de Andri

Não era um dia de muita exploração, só caminhada. Mas tivemos que parar no marco da tríplice fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana, uma pirâmide branca erguida no alto do Roraima. Andri realizou a “Corrida dos Três Países”, dando um giro em torno do marco em dois segundos. Um recorde.

Localizado no Planalto das Guianas, os 31 km² do Monte Roraima é dividido em partes distintas pelos três países. Venezuela é dona do maior naco, 85% (as partes Sul e Oeste, incluindo a “porta de entrada”) que é administrado pela Parque Nacional Canaima. A Guiana tem 10%, a região Norte, formada por cavernas de difícil acesso. Cabe ao Brasil os 5% restantes do tepui, a ponta Leste, que é administrada pelo Parque Nacional do Monte Roraima.

Dura caminhada

Pouco depois do marco, nos separamos do grupo do Borracha e saímos em trote atrás de Tensing e Antonia. Ali perto, paramos no Fosso, uma imensa cratera no chão com um lago cristalino ao fundo e uma galeria de cavernas. Poderíamos descer e nos banhar, mas o pessoal não estava com estes humores. Melhor ficarmos secos, diferentes de uma turista que, certa vez, resolveu pular no fosso e cortou os pés nos cristais do fundo. Na ocasião, quando o guia foi tratar dos pés da moça, o marido ficou com ciúmes. Histórias do Roraima.

Parada no Fosso. Tensing e sua máscara a Homem-Aranha

Mas o dia também não estava para contos. Fazia um tempo cinza e úmido e a mochila mais uma vez pesava nas costas. Seguimos Antonia em passo rápido até chegarmos a um rio para esperarmos Tensing com Marli e Jane nos alcançar. Deitei e fiquei vendo um Charlie beliscar alguma a coisa poucos metros de meus pés.

Os guias Tensing e Antonia guiaram a Infantaria nos 15 km

Os guias se reencontraram e conversaram sobre a logística. Antonia ficara sabendo por um carregador, que vinha em sentido oposto, que o Hotel Guácharo estava ocupado. Teríamos que desviar para o Hotel San Francisco, mais bem localizado, mas menos espaçoso e confortável. Justo naquele dia.

O dia não estava convidativo para explorar o fundo do Fosso. Vontade não me faltou

San Francisco

Cheguei realmente cansado ao San Francisco. As barracas já estavam montadas e calhou de a 33 estar na parte principal do hotel. Andri, em gentileza ao casal curitibano, foi para uma região isolada cedendo a vaga dele. Jane e Léo também ficaram separadas.

O espremido Hotel San Francisco dividiu os aventureiros em pequenos grupos

Até que o resto do grupo chegasse, procurei lugar para pendurar minhas coisas. Tirei a bota molhada, coloquei a roupa quente de dormir e, pela primeira vez àquela hora, fiquei dentro da barraca. Precisava esticar as costas e descansar.

A dica do travesseiro: enrole as roupas com a toalha e amarre as pontas com barbante

Com o grupo inteiro, almoçamos e tomamos café da tarde. Saímos, a infantaria original, para buscar sol, mas a neblina teimava em deixar o lugar todo úmido. Então ficamos com todo o grupo analisando os itens de sobrevivência que Alice e Veridiana tinham levado para o monte. De pedras de sabão a balas Halls e batata Ruffles, de dezenas de sacos plásticos a cremes para pele, xampus e sprays para tênis. Por isso a mochila estava tão pesada.

O apertado Hotel San Francisco não era convidativo para conversas e naquela noite dormimos mais cedo. Ajeitei meu travesseiro novamente para ter uma boa noite. O saco de dormir tinha sido uma grata surpresa, não me deixando na mão nenhum dia. Precisava de noites confortáveis. No dia seguinte, o grupo sofreria uma racha.

Dicas deste post

- Descanse bem antes das caminhadas. Buscar o mínimo de conforto, mesmo dentro de barracas, não é frescura. A dica do travesseiro é válida (faça um amarrando roupas e toalha). Tenha um bom saco de dormir e não esqueça o isolante térmico. Garanta uma muda de roupa seca e limpa (calça, blusa, meia) para dormir. Leve uma blusa sobre pele.
- Está no check list, mas não custa lembrar: sacos plásticos, papel higiênico e álcool em gel para o esqueminha do banheiro. Com o tempo você pega a prática.
- Ainda sobre o banheiro, tenha cuidado com a alimentação para não precisar ir toda hora. Imagine dar desarranjo no meio da caminhada!
- Se o dia tiver bom e a turma animada, eu teria dado uma parada mais demorada no Fosso. Leva uns 15 minutos para descer - por uma entrada lateral - e explorar seu fundo. E nadar nele, claro.
- O San Francisco não é um bom hotel, muito apertado e sem lugar para deixar as coisas. Também está no check list: leve alguns metros de barbante para improvisar um varal. É sempre bom aproveitar qualquer migalha de sol para secar as coisas.
- Avalie quais são as bugigangas que vc realmente precisa: pedras de sabão, balas, cremes e batatas fritas, por exemplo, são dispensáveis e só vão pesar sua bagagem.

terça-feira, 5 de maio de 2015

Dia 5 - Em cortesia, Roraima abre suas cortinas

“Vamos ver o que acontece, conforme for eu não vou”, anunciou Marli a sua posição sobre visitar o Lago Gldys. Não foi. Era nosso dia de folga. Ficaríamos duas noite no mesmo hotel, sem precisar deslocar mochilas pesadas ou mudar as barracas de lugar. O grupo poderia visitar um lago, na parte guianesa do monte, ou usar o dia para relaxar e curar feridas. A maioria ficou com Marli, tomando sol em nosso jardim de inverno e colocando a conversa em dia. Os dois Marcelos, Andri, Luciana e eu, além dos guias Tensing e Antonia e dos carregadores Manoel e Gabriel escolhemos nos exercitar um dia a mais.

O casal Marcelo e Madi pisa nas nuvens. Nada de Roraiminha pra gente

Horas antes, Borracha tinha nos acordado na barraca com sua cantoria característica. “Levantem que a janela abriu, vamos ver o Roraiminha”, dizia. Era cedo, mas saí da barraca. O mirante da face brasileira do Monte Roraima, segundo ele, estava aberto. De lá, poderíamos ver o lado leste do tepui, voltado para a floresta tropical protegida pela Reserva Indígena Raposo Serra do Sol, onde vivem 20 mil índios, a maioria deles da etnia macuxi. Mais fácil de ver ali de cima, seria o Roraiminha (ou Wei-Assipu), uma montanha menor localizada bem em frente ao Monte Roraima e cercado pela floresta tropical.

Mesmo sem Roraiminha, as nuvens do alto do tepui dão uma vista impressionante

Não vimos nem um nem outro. Partimos com Borracha, ainda sonolentos, pulando as pedras. O mirante não era tão perto quanto aquele do Hotel Guácharo, voltado para a Gran Sabana venezuelana. Chegamos com o sol nascendo e não vimos árvores, índios ou Roraiminha, mas um mar de nuvens. Era como estar na janela do avião, mas com um ângulo de visão bem maior. Uma paisagem linda.

Plantas do Roraima

Início da caminhada para o Lago Gladys. O tempo, este fanfarrão, começou aberto

Voltamos para o hotel, tomamos café, esperamos o grupo de aventureiros se unir e partimos para nosso dia livre de caminhada. Muito bom andar com a mochila de ataque, sem aquele peso da mochila principal. Tanto que, nos primeiros metros, fiquei tirando algumas fotos e me afastei do grupo. A Antonia ficara para trás comigo. Para alcançar o pessoal, saí correndo entre as pedras, pulando rápido de uma para a outra, com Antonia na minha espreita. Quando chegamos próximo ao grupo, ela me confessou que estava louca de vontade de correr entre as pedras.


Dia de aprender com Tensing sobre as plantas. A belíssima Bonnetia roraimae toma conta da paisagem

A caminhada foi divertida, com aquele vaivém de neblina característico do Roraima e um pular incessante de pedras. Encontramos o imenso bosque da endêmica Bonnetia roraimae, um arbusto, o 2ª maior em porte do Monte Roraima, que, com sua folha pequena e avermelhada, toma conta da vista na divisa entre Brasil e Guiana.

Algumas plantas do Roraima. Na fileira do alto: Helianphora glabra, Stegolepis guianensis e Orectanthe sceptrum. Na debaixo: Bejaria imthurnii, Drosera roraimae e Brocchinia tatei

A flora, novamente, chama a atenção. Andamos por áreas alagadas que parecem ter sido criadas por paisagistas. Como matéria-prima, várias plantas endêmicas, como a Helianphora glabra de boca aberta à espera de um mosquito curioso; a palmeira Stegolepis guianensis, com suas folhas em forma de leque; a pontiaguda Orectanthe sceptrum, que, vista de cima, se assemelha a uma mandala; a linda Bejaria imthurnii conhecida como Rosa de Roraima; a também insetívora Drosera roraimae; várias bromélias do gênero Brocchinia (como a B. reducta e a B. tatei), orquídeas, musgos, entre outras.

"Taren". E as cortinas se abriram

Foi o dia mais gostoso de caminhada. Um pouco pelo alívio das costas, um pouco pela aula sobre a flora roraimense, um pouco pelas surpresas do clima. Chegamos ao Lago Gladys com a neblina tomando conta da paisagem. Sentamos em um penhasco e deixamos os pés caírem, enquanto encarávamos aquela massa de ar branca bem diante de nossos olhos. Mentalizamos “taren”, “taren”, palavra que quando dita ou pensada muita vezes ajuda a fazer o tempo melhor. E funcionou.

Andri e Marcelo descansam as pernas e esperam o tempo melhorar

Como uma cortesia a nossa visita, Roraima abriu por alguns minutos a janela do Lago Gladys e jogou raios de sol naquela maravilha: um lago cercado por uma pequena floresta, tudo isso dentro de um vale, como se estivesse em um pacote de presente, ou em uma arena de futebol. Nós, de cima, aceitamos o presente. E agradecemos por mais um taren bem sucedido.

A janela ficou aberta por pouco tempo. Quase não deu tempo de fazer esta foto

Banho gelado

Na volta, passamos por um mirante do lado guianense, de onde teríamos uma vista da floresta da Guiana. Ali o taren foi fraco e a janela ficou fechada com aquela neblina tão densa que poderia ser fatiada. Seguimos caminho até nossa parada do almoço, em uma piscina natural profunda onde podíamos mergulhar. E fizemos. Andri, Luciana e eu nos vestimos de coragem, despimos de roupas e demos alguns mergulhos. A água estava bem fria, como se pontas da O. sceptrum nos espetasse o corpo todo. Ao menos salvamos o banho do dia, com sabonete e xampu (biodegradáveis, claro) em uma água super gelada.

Andri se veste de coragem para dar o mergulho na água super gelada

Almoçamos macarrão com frango sentados em pedras e vendo a paisagem. Um dos carregadores trouxera a comida do hotel, onde o resto do grupo, já almoçados, jogava conversa fora no jardim de inverno e ouvia as piadas de Marli. Voltamos devagar pelo mesmo caminho. E chegamos com sol forte de volta ao Quati.

Almoço nas pedras com o corpo banhado e relaxado

Explorando o Quati

No céu, um helicóptero sobrevoava o Roraima e eu blasfemava. Catzo! Conta a cultura Pémon que não se pode cantar lá em cima, porque atrai a chuva. Traduzindo pela ciência: a vibração da fala pode interagir com as nuvens carregados e fazer, de fato, chover. Um helicóptero teria o mesmo efeito, mas muito mais forte.

Como o tempo ainda estava bom, fiquei pulando pelas pedras em frente ao hotel, pensando na vida e escutando o som do famoso sapinho de roraima (Oreophrynella quelchii) de longe. Até que resolvi subir a rocha, sobre o hotel, onde estavam Tensing, Antonia e alguns carregadores. Borracha me ensinou por onde tinha que escalar e fui.

O grupo estava na outra ponta, protegidos na sombra de uma pedra. Tensing andava pra lá e pra cá. “Estou procurando coisas novas”, disse. Em uma parte atrás da pedra ele apontou para os cinco tipos de musgos e líquens em um cantinho tão reduzido. É um apaixonado. Dali pudemos ver o bosque da belíssima B. roraimae, que divide Brasil e Guiana. Vegetação e relevo pré-históricos, como aqueles dos filmes sobre o Jurássico. “Só faltam os dinossauros”, disse Tensing apontando para a paisagem.

Não é de estranhar que foi ali, do alto do Roraima, que o escocês Arthur Conan Doyle buscou inspirações para escrever seu best-seller O Mundo Perdido, no início do século 20. Do livro surgiu a premiada franquia Jurassic Park, do diretor Steven Spielber. A visão real lembra muito o mundo imaginário do cinema. Tensing estava certo. Só faltavam os dinossauros.

Alô, Roraiminha!

Descemos de lá. Era o fim do descanso dos guias e Tensing, con su permiso, precisava cuidar da logística. Não ficaria muito tempo parado, já que Borracha surgiria novamente fazendo propaganda do Roraiminha. A janela estava aberta, dizia ele. Será? Fim de tarde, fomos mais uma vez conferir o mirante brasileiro. Foi emocionante.

O Roraiminha brota no meio da floresta brasileira

Confesso que dei um suspiro de choro, agradecendo pelo presente que o tepui nos dava. A janela estava completamente aberta e mostrava a floresta amazônica sobre um ângulo magnífico. Do lado esquerdo, o Roraiminha aparecia tímido com algumas nuvens brancas sobre a cachola.

O Fantasma do Monte Roraima mede forças com a paisagem

O pessoal apareceu tirando fotos e fui me juntar ao Andri, que estava mais isolado. Gosto de fotografia, mas naquele momento queria apenas curtir a paisagem. Tensing tinha dito certa vez que a melhor máquina fotográfica é nossa memória. Preferia deixar bem registrado neste filme eterno, antes de apontar a objetiva.

Veridiana queria fazer a clássica foto pulando. Pisou em falso e bateu a canela

Com o sol em sua descida final, nos aprontamos para voltar para o hotel. Antes, o pessoal queria tirar mais algumas fotos, como aquelas pulando com o horizonte iluminado ao fundo. Na "Linha Veridiana", a maringaense também quis fazer a foto e, ao pular, pisou em falso e bateu forte a perna na pedra. Os galos levantaram rápido na canela da menina e ela ficou de bico pelo resto da noite.

Outra foto clássica do grupo. Vencedores

Um outro grupo havia chegada ao hotel e usava a cozinha quando chegamos. Cruzaríamos mais vezes com o pessoal, quatro brasileiros e duas venezuelanas que eram levados por uma empresa da Venezuela. Acostumados a dormir às 19h30, tivemos que ver o outro grupo madrugar até 21h, tarde demais para nosso padrão.

Causos do Borracha

Como não tinha como dormir, me juntei à turma do Borracha, para escutar as histórias do falante guia brasileiro, cheio de brincadeiras e com seu idioma próprio, o borrachês. Ele diz, por exemplo, que a gente chegaria a tal local “na faixa etária” de três da tarde. Em referência a uma colega que ainda estava invicta, ou seja, não tinha usado até então o esqueminha do banheiro, Borracha contou a história contrária, a de Pedro Cagão, um descendente de japonês que teve problemas estomacais durante toda a viagem. Em resumo: não tinha roupa do rapaz que não estava cagada. Nem o companheiro de barraca aguentava mais o cheiro.

O contador de histórias Everaldo, vulgo Borracha, no nascer do sol, no Roraiminha

Um pouco mais fantasiosa, mas não menos engraçada, é a história do Pinguno da Montanha, apelido que Borracha tinha dado a Roger, um jovem carregador venezuelano, responsável pela montagem das barracas. Segundo Borracha, Pinguno é o último exemplar vivo da espécie. “Era una pareja, mas a mulher caiu da Janela [uma das vistas do Roraima] e até hoje o Pinguno procura por ela. Quando ele demora para chegar é porque ficou pra trás, chorando de saudades da amada”. Roger, ao ouvir a história, só ria.

Gabriel, o Poroto, também era vítima das brincadeiras de Borracha. Mas, mais ligeiro, o caraquenho havia aprendido o termo “galinha choca” e imitava o tagarelar matinal de Borracha, quando queria acordar o pessoal. Parecia uma galinha.

Roger com parte da infantaria. O montador de barracas era alvo constante das piadas de Borracha

Borracha ficaria contando histórias por toda a noite, mas passava das 21h, era o tempo limite para o outro grupo dormir e fui fazer o mesmo. Estávamos no auge de nossa viagem e no outro dia começava a volta.

Dicas deste post

- Tenha uma boa mochila de ataque (entre 20 e 40 litros) para os dias de folga (como a ida ao Lago Gladys). Leve sabonete, xampu (biodegradáveis) e toalha para o lago. Um chinelo também.
- Cobre do guia para ver o mirante brasileiro, do hotel Quati, pela manhã. Se o tempo estiver bom, você pode acordar mais cedo e ver o sol nascer lá.
- Aproveite a parada no Quati para secar as roupas. Se você não estiver bem fisicamente, aproveite para ficar descansando no hotel (embora, eu não perderia o Lago Gladys se fosse você).
- A caminhada para o Lago é uma boa hora para carregar um caderninho e anotar as informações sobre a flora local (cobre isso do guia). faça uma coleção de fotos das plantas.
- Capriche no taren!