quarta-feira, 13 de maio de 2015

Dia 8 - A travessia do Rio Kamaiwa

O dia mais molhado de toda expedição seria justamente o de nossa descida. Talvez culpa da cantoria de nossos colegas na noite anterior, lá no Acampamento Base. Mais uma vez não tive uma boa noite de sono - acordei de madrugada e fiquei imaginando como seria nossa caminhada 2 em 1. Acordamos no alto do Roraima e dormiríamos aquela noite já no Rio Tek, lá embaixo.


Os vencedores. No final do 8º dia, no Rio Tek, o grupo estava reunido novamente.


Chovia fino. Tomamos café com bollito (feito de milho branco cozido na água quente), ovo e queijo. Vestimos a capa de chuva e nos preparamos para nos despedir do tepui. Um dos apelidos do Monte Roraima, dado pelos Pemóns, é “Mãe de todas as águas” (o que justifica o nome deste especial). Eles não poderiam estar mais certo.

Nosso primeiro trecho foi em linha reta em direção à Pedra Maverick. Fizemos um pequeno desvio para não passarmos em uma parte muito molhada. Pura perda de tempo. Do Maverick, caminhamos para a direita, em direção à boca do monte. O lugar em que, dias atrás, Tensing nos dava o parabéns por termos conseguido chegar ao alto do tepui.

Cachoeira do Monte Roraima, vista já do Rio Kukenan. Dia chuvoso e rios violentos

A descida teria menos cerimônia e mais água. A Rampa era um rio. Encharcamos as botas sem pudor, pisando com cuidado nas pedras molhadas. Foi divertido descer o monte, já estávamos craques em pular pedra, e era interessante aquele exercício de dosar ritmo e cautela - descer num bom tempo, mas sem correr riscos de acidente. O bastão de trekking, mais uma vez, deu uma baita ajuda.

Chovia torrencialmente no Paso de las Lagrimas. O suspiro da subida dera vez ao choro copioso quando passamos por ele. Subimos e contornamos uma pedra (“toda subida é um esforço desnecessário quando estamos descendo”). Fizemos a primeira parte da descida em menos de uma hora.

Três momentos. Amarela Curatella americana, o nervoso Kamaiwa e o fim de tarde no Rio Tek.

Encostamos as mãos na parede do monte para nos despedirmos, assim como fizemos na subida. E encaramos a floresta, prestando mais atenção nas raízes e pedras do que nas plantas endêmicas do lugar. O último trecho é um lance de descidas em uma terra amarela bastante escorregadia e traiçoeira. Passamos por ele, atravessamos o rio e, em menos de duas horas de caminhada, chegamos ao Acampamento Base para uma parada rápida.

Acelera, Tensing!

Bem rápida. Tempo para comer mais um melão com algumas bolachas, ajustar a mochila nas costas e seguir os passos de Tensing, ainda mais ligeiros que o de costume. Passamos pelas cinco descidas iniciais, seguimos por trilhas usadas pelos carregadores e deixamos o monte diminuir de tamanho em nossas costas.

Carregador leva o esqueminha do banheiro. No fundo, o rio Kukenan segue seu rumo

O tepui estava escondido atrás da cortina de nuvens, mas não chovia mais. E mesmo naquela velocidade, apreciamos as plantas da savana bem diferentes daquela flora pré-histórica do Roraima. A amarela Curatella americana chamou minha atenção quando avistamos, do alto, a florestinha onde se escondem os rios Kukenan e Kamaiwa. Chovera bastante e o Kamaiwa prendera nossos colegas do lado de cá dos rios. Encontraríamos o resto da turma mais cedo.

Músicas da viagem

Eles tinham chegado não muito tempo antes, mas já cantavam juntos na mesa as músicas de viagem que ensaiaram na noite anterior. Legal voltar a ouvir o som dos colegas, embora tenha aproveitado aqueles minutos de silêncio na noite anterior.

O Kukenan/Kamaiwa estava tão forte que alguns precisaram atravessar de barco

Batendo na mesa e em coro, o pessoal cantava um a um os temas da expedição: “Você não sabe o quando caminhei para chegar até aqui…” (A Estrada - Cidade Negra), “longe de casa, há mais de uma semana…” (A dois Passos do Paraíso - Blitz) e “ei dor, eu não te escuto mais...” (O Sol - Jota Quest). Letras que falavam muito sobre o que nós passamos.

Na parada no acampamento Kukenan, carregadores improvisam uma bocha com pedras

A despeito da animação do pessoal, os guias estavam tensos. Via-se de longe a cachoeira do Roraima jogando água para o Rio Kamaiwa que, ali no cruzamento com o Kukenan, não queria ceder. “Precisamos de três horas”, explicou Tensing. “Quando parar de chover no monte, esperamos três horas e baixa a vazão do rio”.

Água pela cintura

Esperamos. Almoçamos macarrão conversando com os guias. Os carregadores Pemóns adaptaram uma espécie de jogo de bocha usando pedras redondas. E as horas passaram, até que os guias resolveram atravessar o rio na marra, por uma corda, aproveitando que a vazão tinha diminuído bastante.

Descontração com o caótico Borracha e o gentleman Tensing, no acampamento do Rio Kukenan

Jane e Léo, para se poupar, foram deitadas numa canoa enquanto o resto do grupo encarou a corda e a correnteza. Não estava tão difícil passar pela água, mas, como meu pai costuma repetir, "com rio não se brinca". Luciana e eu fomos os primeiros a chegar à outra margem. Cruzamos também o Kukenan, que estava bem fraco, e ficamos esperando o resto do pessoal para seguir viagem.

Trecho final de um quilômetro entre o Kukenan e o Tek

Faltava aquele quilômetro a mais que separa o Kukenan do Tek. Vimos a igreja católica novamente, descemos uma encosta e chegamos ao rio. Cruzamos e chegamos ao acampamento para deixarmos as mochilas e nos organizarmos para o banho. A água do Rio Tek seria como uma fonte termal depois de tantos banhos frios.

Mesmo no penúltimo dia, nenhum sol pode ser desperdiçado

Um brinde

Aquele entardecer no acampamento Tek foi um dos mais gostosos de toda viagem. Parte pelo clima de despedida e nostalgia que já tomava conta da gente. Parte devido ao pôr do sol fantástico que iluminava o Roraima e o Kukenan para deixar os tepuis guardados bonitos em nossas lembranças. Tirei algumas fotos, mas observei bastante com os olhos para registrar na memória. Aprendera com Tensing.

A infantaria brinda com a aguada Polar Extra Light. Parceiros de caminhada

O pessoal da comunidade Paraitepui tinha trazido refrigerante (Frescolita e Chinotto) e a cerveja aguada Polar Extra Light. Compramos algumas apenas para brindar entre os amigos. Nos reunimos em banquinhos para jogar conversa fora, ritual que fazíamos todas as noites. Ritual que faríamos pela última vez.

Deu dó ir para as barracas e dormir. Ou tentar, preocupado com a chuvinha que nos pegou a noite. A Mãe de todas as águas, mesmo distante, queria dizer quem é que manda naquele lugar.

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