No terceiro dia de caminhada, chegamos ao topo do Roraima
Tivemos sorte com o tempo até então. Não fazia “aquele fenômeno atmosférico úmido sobre o qual não se pode falar”. O céu estava limpo e tínhamos uma fileira de subidas para enfrentar. Agradeci ter comprado o bastão de trekking, que ajudou muito dando um alívio ao joelho nas subidas e equilíbrio nas descidas.
No final da florestinha o início do paredão. Com licença, vamos subir!
Nos primeiros lances, no entanto, abandonei o bastão para usar as mãos. Aquele trecho de terra amarela exigia quase uma escalada. Estava seco, bem diferente de como o encontraríamos na viagem de volta. Tensing a frente parava a todo instante mostrando uma bromélia ou orquídea de flor exuberante. Muitas delas endêmicas. O guia gosta de dizer o nome científico de cada uma. Mas seu conhecimento maior é sobre as plantas do cume do monte.
Com sua licença, paredão!
O pelotão da infantaria chegou cedo ao paredão. Uns 30 minutos antes do esperado. Marly, Jane - que andavam sempre próximas da infantaria - e Veridiana, se juntaram logo conosco. Assim que chegamos, saudamos o monte com um cumprimento, encostando as mãos na parede e meditando, cada um a sua maneira.
Tínhamos tempo. Abastecemos os cantis, sentamos em um tronco e comemos o doce de mocotó que o pessoal de Cacoal havia trazido. Ninguém notou o torcer de nariz de Marcelo Beck quando provou um teco do doce. Mais tarde, já lá em cima, ele diria: “Olha, vou confessar, não gostei do doce de mocotó”. Aquilo foi um alívio para ele, brincamos depois. A “Linha Marcelo” tinha sido criada: seja sempre honesto!
Lado a lado com o gigante
Começamos a andar ao lado da parede. Caminhando em linha reta, tivemos que fazer uma longa descida para contornar uma pedra: “Toda descida é um grande desperdício quando estamos subindo”, pensei. Na viagem de volta, ao passar novamente por aquele trecho no sentido oposto, ampliaria a frase: “Toda subida é um esforço desnecessário para quem está descendo”.
Descanso para as pernas
Paramos novamente para comer um abacaxi e algumas bolachas. E ver a paisagem crescer. A Gran Sabana já não parecia tão grande mesmo ali no início da subida. Um pássaro Charlie passou por nós em busca de bolachas. E tiramos mais fotos, principalmente a Jane, que adora uma pedra para sentar e uma paisagem de fundo para enquadrar.
Parada para o lanche e para apreciar a paisagem que crescia em nossas costas
Após outra descida, a mata se abriu. Estávamos diante do temível Paso de las Lagrimas, assim chamado porque recebe o choro copioso de uma cachoeira do monte. Foi esta imagem, ainda no brieffing em Boa Vista, que aliviara as costas de Luciana e garantira o emprego a mais um carregador. Mas em dias secos, o Paso era apenas um suspiro e poucos nos molhamos.
A rampa final
Para vencer os 400 metros da subida final, passamos por um monte de rochas irregulares, um arenito em tom rosado, e várias pequenas pedras soltas. Nada assustador, mas exigia atenção. Jane, Marli e Veridiana ficaram juntas de Tensing, enquanto a infantaria os seguia. Fomos alcançados pelos carregadores Manoel e Gabriel e subimos juntos, pé ante pé, o monte.
A descida até o Paso de las Lagrimas e a subida final na Rampa
No último trecho, a chamada Rampa, a infantaria estava a frente novamente. Seguimos de perto Tensing sem perceber o horizonte mudar de escala em nossas costas. Quando ele parou e eu, um passo atrás, parei também, ele olhou e disse: “Parabéns, você subiu o monte Roraima”. E me esticou a mão.
Os primeiros a chegarem ao topo
Fez isso com cada um dos colegas que chegava ao topo. A vista da savana era incrível e tínhamos tempo para aproveitar. Jane correu para fazer fotos e Veridiana, fazendo a “Linha Veridiana”, dizia sempre “Também quero uma minha”. Ambas foram muito fotografadas.
Salmo 23
Enquanto isso, lá embaixo, o pelotão de trás guiado por Borracha, em seu ritmo "poquito a poquito", encarava o Paso de las Lagrimas. Ao ver a água cair, Michela travou. Foi seu herói Marcelo quem a incentivou a continuar a caminhada, citando o Salmo 23: “Ainda que eu ande pelo vale da sombra e da morte, não temerei mal nenhum pois o senhor está comigo”. Emocionante.
Marcelo e Michela pedem licença ao paredão. Alguns metros adiante, eles enfrentariam o temível Paso
Os dois pelotões só se encontrariam no Hotel Guácharo, assim chamado pelo número grande deste pássaro, o guácharo (Steatornis caripensis), uma ave noturna que vive em colônias nas fendas e cavernas protegidas da luz. Até chegar ao hotel dos pássaros, no entanto, tínhamos mais 40 minutos de trilha. Deixamos as fotos de lado e começamos a andar.
Pedras esculpidas
Tive a primeira impressão do topo do Roraima. Imaginava uma superfície plana, mas o monte é todo irregular, com labirintos, subidas e descidas, algumas áreas abertas e pedras esculpidas pelo vento que desafiam a criatividade dos olhos mais atentos. Além das rochas, o tempo muda a cada minuto, com uma névoa que vem e vai, ora colorindo ora cobrindo de cinza a paisagem.
Logística alaranjada no Hotel Guácharo
Passamos pela Pedra Maverich, o ponto mais alto do Roraima, com 2.810 metros (contra os 2.734 metros da média do tepui), assim chamada por se parecer, à distância, com o clássico automóvel dos anos 70. Cruzamos o Hotel Principal que, lotado, nos obrigou seguir viagem. Estava farto de caminhar, uma dor aguda me incomodava o lado direito do corpo. Espirrei algumas vezes. Talvez a energia tinha acabado já no terceiro dia de viagem. Chegamos, enfim, ao acampamento.
Hotel Guácharo
Novamente, fomos os primeiros a tomar banho, baixar as malas e conferir se Rogers tinha montado direitinho a barraca 33. Teria uma conversa séria com ele depois. Nos banhamos e, como o “pudor tinha ficado lá embaixo”, não nos preocupamos com as manobras para esconder as intimidades. Bastava subir na “pedra da troca” e pedir para os outros olharem para o outro lado. Algumas vezes funcionava.
O gavião, a exemplo de Tensing e eu, procurava um periquito-do-tepui. Não encontramos
Últimos raios de sol
Fim da tarde e outro pôr do sol. Mas desta vez visto de cima
No fim de tarde, fomos premiados com céu limpo e um lindo entardecer. Do alto, olhamos o acampamento Base onde estávamos poucas horas antes. Aproveitei o sol para aquecer o corpo, descansar as costas e relaxar. Tensing procurava um pássaro de canto curto e voo ligeiro, o periquito-do-tepui (Nanopsittaca panychlora). A ave vive nas cavidades do paredão de Roraima e, todas as manhãs, voa em bando até outro tepui para buscar comida. Não encontramos o pássaro, só um gavião pequeno que também estava à espreita.
O Fantasma do Monte Roraima tem seu momento de contemplação
Dicas deste post
- O bastão de trekking vai ser muito útil neste trecho da caminhada, para dar bastante equilíbrio. O ideal é ter um só bastão, para deixar uma das mãos livres.
- Um tensor para os joelhos pode ser útil também.
- Se você não contratou carregador, este será o trecho mais difícil para carregar a mala.
- Fique atento com a mudança da paisagem ao entrar na florestinha. Há muitas plantas endêmicas interessantes (cobre de seu guia informações).
- Se o dia for chuvoso, a melhor capa de chuva é aquela separada entre jaqueta e calça impermeáveis. Os estilos poncho ou parka não são muito bons, pois atrapalham os movimentos das pernas.
- Como em todo o resto da viagem, deixe o cantil e a máquina fotográfica à mão. Um binóculo pequeno seria interessante para ser usado já no topo.
- Aos poucos vc pega a prática com os banhos nos lagos (use sabonete e xampu biodegradáveis, carregue numa sacola os produtos e a toalha e calce um chinelo ou sandália para ir ao lago).
- Carregue um banquinho e vá até à janela do hotel Guácharo apreciar a paisagem.
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