sexta-feira, 8 de maio de 2015

Dia 7 - A infantaria fica pra trás

Com um grupo tão heterogêneo, os guias decidiram abrir uma exceção em nosso roteiro. Passaríamos o nosso sétimo dia de expedição explorando a parte leste do Monte Roraima e no outro dia desceríamos, de uma vez só, até o acampamento do Rio Kukenan ou do Rio Tek.

 Corajosa, a infantaria escolhe passar um dia a mais sobre o tepui

A opção era, em vez de ficar uma noite a mais no monte, começar a descida já no sétimo dia para, a exemplo da subida, fazê-la em duas partes, com uma parada no acampamento Base. A exceção acabou virando regra e dez dos 14 expedicionários preferiram descer o monte antes. Ficaram para trás apenas “os quatro primeiros”. A infantaria original.

Dia amanhece alegre, com sol-se-botas. Era apenas brincadeira do tempo

Seriam dias diferentes. De folga e mochila de ataque para nós e de descida pesada para o resto do grupo. Compensaríamos a folga no outro dia. Antonia e Borracha desceriam com o grupo maior. Tensing ficaria um dia a mais no alto do monte. Antes disso, os três cuidaram da logística, descendo apenas parte das barracas e dos mantimentos.

Racha no grupo

Após o café juntos, nos despedimos do grupão e partimos para nosso dia de exploração. Vimos a fila de colegas se afastar, em direção à boca do Roraima, e fomos para outro lado, contornando o Hotel San Francisco em direção a uma vista para o Monte Kukenan.

Início de caminhada da infantaria. O grupo ficou reduzido. E mais rápido

Não fazia sol. Não veríamos mais o astro enquanto estivéssemos no alto do Roraima. O jeito foi aproveitar a caminhada, observar as plantas, as formações rochosas. Tensing, pulando de pedra em pedra, parava aqui e ali para mostrar um vale ou uma orquídea nova. Ele nos levou até uma vista, em uma área fora da trilha, onde os guias dificilmente vão. O tempo estava totalmente fechado, mas dava para ver a neblina atacando ferozmente as costas do irmão Kukenan.

O "nada"

O nada é como uma parede bem diante do seu nariz. Um cenário pintado de branco

Em outra parada tínhamos a nítida impressão de estarmos diante do nada, como no final do filme “Show de Truman”, quando Jim Carrey navega até bater em um cenário. Mas diferentemente de um horizonte pintado numa parede, tínhamos uma imensidão branca bem próxima de nosso olhos. Ficamos um bom tempo naquele cenário, debatendo trivialidades como a diferença entre a espírito espontâneo e informal do brasileiro e a objetividade britânica. Tensing só nos observava.

Irmão Kukenan é açoitado pela violenta neblina

Naquela clima descontraído, vi minha jaqueta com uma mancha branca na gola e questionei, em voz alta, o que era aquilo. “Acho que é protetor solar do pescoço que foi pra jaqueta”, explicou Luciana. Então, passei a língua na mancha e disse “sim, é protetor solar”. A Luciana e o pessoal ficaram me olhando. “Você sabe que esta aí é minha jaqueta, né?”. Caímos na risada.

A Catedral, uma cachoeira no interior de uma rocha

Seguimos então para a Catedral, uma cachoeira formada dentro de uma caverna cônica. Fomos para A Janela (La Ventana) que teimava em mostrar apenas nuances da paisagem. Tensing descrevia o que poderia ser visto ali, as várias curvas do Roraima. Vimos pouco. E passamos pelas Jacuzis torcendo - taren, taren - para abrir o tempo para um banho. Não funcionou.

As belas jacuzis não estavam convidativas para um banho

Jane ganha asas

Não era um dia para contemplações, mas bom para caminhar. Talvez pensasse o mesmo o resto do pessoal que naquele momento já tinha vencido a Rampa e estava se molhando um pouco no Paso de las Lagrimas. Com a passada lenta, mas corajosa, Jane procurava preservar os joelhos, já bastante prejudicados na viagem. Um pouco depois do Paso, no entanto, o joelho traiu e Jane escorregou. Rolou e caiu três metros sendo salva por uma das árvores que Tensing certamente tinha nomeado em nossa subida. Por meio metro, quase deixou de ser agarrada pela árvore para ser engolida pelo precipício.

A Jane ganha asas e é salva por uma raiz e pelas mãos de Antonia

“Quando olhei para o lado, a Antonia já estava ali”, lembra Jane. “Ela desceu que nem um raio”. Ao encontrar Jane, Antonia falou que ela podia chorar. “Mas eu não quero chorar”, disse Jane. “Chora, que vai te fazer bem”. E, melhor não contrariar, Jane abriu o berreiro. Depois deste dia, a Jane da Selva, Tia Cidinha, Jane Estivadora, ganhou um novo apelido: Jane Voadora.

Do staff, além do guia Tensing, ficaram Roger, Otávio e sua esposa (não guardei o nome Pemón dela)

Não sabíamos da história ainda quando chegamos ao silencioso hotel. Roger, Otávio e a esposa tinham ficado com o grupo menor e preparavam um chocolate quente para a gente antes do almoço. Era meio da tarde e nos demos o luxo de dar uma boa dormida na barraca antes de sair novamente.

No topo do mundo

Já não aguentava mais ficar na barraca, quando Andri nos convidou para dar uma volta, pegar as banquetinhas e apreciar a paisagem em uma espécie de varanda. A neblina e o dia feio não davam trégua e restou à infantaria ficar ali vendo o tempo passar.

Subida ao topo do Maverick. Pedras para marcar a conquista.

Até que Tensing chegou e nos chamou para escalar o Maverick, o ponto mais alto do Monte Roraima. Andamos até a rocha, passando pelo Hotel Principal e começamos a escalada. De longe ele não parece tão grande. E de cima a visão é impressionante. Ainda que o dia não ajudasse, deu para ter uma ideia dos hoteis ao seu entorno.

Vista do Hotel Principal (não nos hospedamos nele), a partir do Maverick

No Maverick, brincamos com um sapinho-de-roraima (Oreophrynella quelchi), este bichinho minúsculo de 2 cm, totalmente negro, exceto por sua barriga amarela. A coloração ajuda na camuflagem e protege contra os raios ultravioletas, muito comuns no alto da montanha. Endêmico do Roraima, o sapo não é muito bom saltador nem nadador. Nem precisa. Ele bota ovos em abrigos sobre rocha de onde nascem filhotes já crescidos, sem passar pela fase de girino. Outras espécies são encontradas nos tepuis vizinhos, como o O. nigra, do Kukenan.

O simpático sapinho-de-roraima e suas andanças por braços e narizes

Paramos de incomodar o sapinho e empilhamos algumas pedras para provar nossa conquista. Fomos até uma varanda para sentarmos e nos proteger do vento úmido, enquanto brincávamos de Rádio Roraima, especializada em informes sobre as lotações dos hotéis, o tráfego nas vias e o tempo - neste caso a cada minuto era um informe diferente, já que o tempo em Roraima é inconstante.

Formações de Roraima. Esta aí lembra um pato

Na volta do Maverick vimos que La Ventana estava aberta com um milagroso raio de sol. Corremos. Como Tensing tinha que deixar um rádio no outro hotel, Andri e eu puxamos a fila tentando encontrar a trilha. Corri feito louco pulando de pedra em pedra - ainda mais rápido que o dia anterior, quando fomos ao Lago Gladys - ora perdendo ora achando a trilha até chegarmos à Janela. E encontrá-la novamente fechada.

Sem janelas para apreciar, sobrou à infantaria treinar o ataque e a defesa

Nosso tempo em Roraima estava chegando ao fim. Sequer paramos nas lindas Jacuzis para um banho. Caminhamos devagar de volta ao Hotel San Francisco, pisando em uma trilha de areia molhada que lembrava o mar. Em altas temporadas, aquele descampado cheio de bromélias pontiagudas era usado para armar as barracas. O San Francisco não parecia tão ruim assim...

Hits de viagem

O hotel estava silencioso novamente. Bem diferente do grupão, lá embaixo, no acampamento Base. Sem os banquinhos, eles ficaram em pé desviando das goteiras na cobertura de lona. Com a chuvinha constante, sobrou ao pessoal ir cada um à sua barraca. E aí começou a cantoria. Na barraca de Alice e Veridiana, a DJ Tesoura, o som do iPhone estava no último. E o pessoal começou a cantar em coro, em homenagem a Makunaíma - o ancestral guerreiro indígena que vive descansando no topo do monte. Ali surgiram os hits da viagem.

Restou ao grupão ficar nas barracas curtindo os hits de viagem (saiba quais são eles no próximo post)

No alto do Roraima, para não acordar Makunaíma e também evitar a chuva, a infantaria jantava macarrão com linguiça em silêncio. Aquela era nossa última noite lá em cima. E seria uma longa noite. Como dormimos a tarde, demorei para pegar no sono. Dentro da barraca, fiquei vendo as fotos de toda a viagem, fazendo uma retrospectiva dos acontecimentos, nos dias no Monte Roraima: o Lago Gladys, a subida difícil, os rios da Gran Sabana, a comunidade Paraitepui, até voltar a Santa Elena e Boa Vista.

Uma viagem de trás pra frente. Era o que me aguardava no próximo dia.

Dicas deste post
- Se você está bom das pernas, fique um dia a mais no alto do tepui. Não tivemos muita sorte com o tempo, mas as paisagens e a caminhada na parte leste valem a pena.
- Aproveite as paradas, para relaxar e refletir. O "nada" pode ser "tudo" se o tempo tiver aberto. Em todo caso, todas as paradas são ótimas para pensar na vida. Ou pensar em nada.
- Depois de cinco dias no topo, você pode estar de saco cheio, mas, com o tempo bom, tomar banho nas jacuzis é uma boa pedida. Leve o material de banho na sua caminhada.
- Leve uma jaqueta corta vento para o alto do Maverick. E deixe uma pedrinha para marcar sua subida. E não oportune muito o pobre sapinho-de-roraima.
- Nossa heroína Jane alerta para estar esperto na descida ou na subida. As pedras são soltas (embora não escorregadias), principalmente, na Rampa. Embora pareça fácil, uma escorregada pode ser fatal.

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