terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Terça-feira. A ilha dos moais tombados

O clima estava belicoso na Ilha de Páscoa por volta de 1680. Devido ao desastre ambiental iniciado cerca de dois séculos antes, o poder dos chefes ruiu, a sociedade entrou em guerra civil e os clãs começaram a derrubar os moais uns dos outros. O árduo trabalho de séculos para esculpir, transportar e levantar estas estátuas gigantes foi a baixo em pouco anos. A tragédia é visível em uma viagem pela costa sul da ilha, passando de ahu em ahu e encontrando dezenas de moais com a cara voltada ao chão com seus pukaus alguns metros distantes, como um chapéu levado pelo vento.

De cara no chão. Pela costa Sul da ilha, vários moais tombados

Em meu terceiro dia na ilha, o plano era alugar uma bicicleta e pedalar até o vulcão Terevaka. Fui ao centro e perguntei para a moça sobre o valor do aluguel quando ouvi ao meu lado: "Murilo?" Era a australiana Sophia, escondida atrás dos óculos de aro grosso. Falante, ela conhecera um casal italiano e estava alugando um carro com eles. Mudei meus planos.

Novos amigos: Sophia, Francesca e Guido

Recomendo o roteiro para quem quer conhecer boa parte da ilha de forma rápida. Em quatro pessoas, alugue um carro e siga pela costa sul em direção ao vulcão Poike. De parada em parada, vemos ahus destruídos e moais derrubados – antes da restauração promovida pelo Chile, todos eles estavam no chão. O primeiro é o Vinapu, cuja perfeição do ahu, com pedras justapostas, chegou a ser comparada à arquitetura inca. Discordo. Nem de longe um ahu se parece com, por exemplo, o templo de Sacsahuaman, em Cusco.

Desastre ambiental

A Ilha de Páscoa reúne uma serie de fatores ambientais que fazem do local um dos mais sensíveis do planeta. Antes da chegada dos primeiros humanos, por volta de 900 d.C. (a data é bastante incerta), a ilha era uma floresta tropical, com árvores parrudas de mais de 20 metros de altura e dois metros de diâmetro e a maior palmeira do mundo, bem diferente dos campos com morros pelados que encontramos hoje.

Nas guerras civis, os Rapa Nui derrubaram moais uns aos outros

Foi principalmente a construção dos ahus com seus moais que dizimou os recursos naturais da ilha, extinguindo todas as 21 espécies de árvores nativas e as 25 espécies de aves que nidificavam lá, fazendo de Páscoa um dos maiores desastres ambientais da história. As árvores eram usadas em canoas, cordas, estruturas de construções, lanças, arpões e como combustível para a cremação. Sem a matéria-prima e em decadência, caiu por terra a antiga integração entre os 12 clãs que permitiu a prosperidade da ilha no passado. E os moais também vieram abaixo.

Ao longo da costa, moais e uma paisagem alucinante

Seguindo pela estrada, além do cemitério de moais, o estonteante mar azul toma conta da paisagem até avistarmos, à esquerda, o vulcão Rano Raraku. É a segunda parte do Parque Nacional, onde novamente apresentamos o ticket. Depois da entrada, pegamos uma estradinha até uma bifurcação e seguimos pelo caminho da direita. Estávamos na fábrica dos moais.

Uma oficina abandonada

O tufo vulcânico do Rano Raraku - nem tão duro, nem tão poroso - é perfeito pra ser esculpido. A estátua era delineada diretamente na rocha, depois talhada deixando apenas uma quilha que a mantinha presa ao vulcão. A quilha era removida, o moai descia ladeira abaixo e era colocado em um fosso onde tinha suas costas esculpidas. Depois disso, ele tinha que ser levado por quilômetros até o seu ahu em várias partes da ilha. Como isso foi feito ainda é um mistério.

A oficina dos moais, alguns sequer foram retirados da rocha

Em toda Ilha de Páscoa foram construídos 887 moais, 288 deles foram transportados e levantados sobre 113 dos 300 ahus construídos. Outros 92 moais ficaram no caminho, antes de chegar ao seu ahu. O mais incrível, no entanto, são os 397 moais que foram abandonados aos pés do Raraku, tomando conta da paisagem. Outros sequer foram retirados da rocha, como o maior moai da ilha, de 21,65 metros e possíveis 200 toneladas!

Os 15 homens de Tongariki. Voltaríamos ali no outro dia

O circuito pelos moais esquecidos dura uma meia hora. Vale a pena apreciar a vista do mar, o vulcão Poike, ali pertinho, e o Ahu Tongariki, nossa próxima parada. Mas, no caminho de volta, não deixe de pegar aquela entrada à esquerda, na bifurcação. Ela leva até a cratera do Rano Raraku, bem pertinho. É muito bonita, com seus 550 metros de diâmetro, e uma árvore sob a qual você pode se sentar e comer um lanche.



Saindo do Raraku e seguindo em direção ao Poike, descemos até o Ahu Tongariki, o maior da ilha. Ficamos pouco tempo, no outro dia voltaríamos ali. Contornamos o vulcão - talvez minha maior frustração na viagem foi não ter subido os 412 metros do velho Poike, ter visto o mar no extremo leste da ilha e a cratera de 150 metros de diâmetro, 15 de profundidade e totalmente seca.

A cratera do Rano Raraku. Bom lugar para dar uma descansada

A estrada segue pela direita e fica bem ruinzinha neste trecho. A única parada obrigatória é o Ahu Te Pito Kura cujo moai, o Paro, com seus 9,8 metros de altura e 74 toneladas de peso estimado foi a maior estátua que chegou a um ahu. Foi também uma das últimas, eregida em 1640, provavelmente por uma mulher que queria homenagear o marido. Veio ao chão 200 anos depois. Contorne o ahu pela direita e veja o Te Pito o Te Henua (“o umbigo do mundo”), uma pedra redonda que, dizem, tem propriedades magnéticas. Toda ilha polinésica tem o seu umbigo.

O gigante moai Paro e o umbigo do mundo

Terminanos a estrada ruinzinha novamente em Anakena. Apreciei mais uma vez aquele mar azul, os coqueiros, os ahus Nau Nau e Ature Huki. Peguei a primeira das três porções de águas que coletaria de Páscoa par minha coleção. Comemos uma empanada com Coca-Cola e voltamos, exaustos, para Hanga Roa. Minha aventura com os italianos e com a australiana não acabava ali.

Corinthians x Universidad Católica del Chile

O dia só poderia acabar com meus amigos Rober, Nacho, Vianca e a pequena Amanda. Separei-me da nova turma e encontrei os chilenos em frente ao Ahu Ko Te Riku  no complexo Tahai. Teria um eclipse solar parcial aquele dia. Não me empolguei muito em fazer fotos, mas foi bom ver os amigos e aquela gente - locais, continentais e turistas - sentada na grama, olhando para cima. Parecíamos os antigos Rapa Nuis idolatrando os moais.

De novo em Tahai e de novo com os amigos

Voltei com eles para casa de Nacho e conheci o Completo, um cachorro-quente com tudo que tem direito e coberto por, pasme, abacate. Gostei. Nacho queria jogar PES 2012 no Playstation 3, um de seus vários brinquedinhos. Queria vencer um brasileiro no futebol. Sugeri jogarmos com nossos clubes e, como eu sou péssimo nos jogos de futebol no videogame, meu Timão tomou um pau do Univesidad Católica do Chile: 3 a 0. Depois joguei com Lev, um amigo deles, abri 1 a 0, mas o filha da mãe virou em  3 a 1. Lev comemorava como a "mãozinha", imitando nossos jogadores brasileiros e seus passos de axé quando marcam um gol. Hilário.

Comer um completo para depois tomar um pau no PES 2012

No fim da noite ainda fizemos um meeting do CouchSurfing. Tomei um Pisco Sauer com meu amigo Rober e fomos à casa de uma chilena que está na comunidade. Fizemos fotos com uns espanhóis, ficamos vendo as estrelas, mas eu estava com sono. Acordaria muito cedo no outro dia e queria dormir. Fiz isso, às 2h da madruga.

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