quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Quarta-feira. O dia do sol

O sol já tinha se escondido no horizonte quando passei pelo Terevaka. Era o dia em que a luz do astro rei fez a maior diferença: de seu nascer emocionante atrás de Tongariki, passando por sua fúria no meio da tarde e culminando em seu último suspiro entre as montanhas que cercam o maior dos vulcões. Meu quarto dia na Ilha de Páscoa foi o dia do sol. Para o bem e para o mal.

O nascer

Acordara às 5h40, ainda escuro, ouvindo grilos e galos. Queria café e, como não encontrara copo de plástico, sai bebericando em um tapauér redondo. Era cedo, combinara com os italianos e com Sophia que os encontraria no centro, às 6h15. No carro, o casal estava animado, enquanto Sophia não só se escondia atrás dos óculos como se afundava no banco traseiro. CouchSurfing como eu, ela deveria ter ido conosco no encontro. Não foi, mas a noite deve ter sido boa.

O décimo sexto moai. Não perca o nascer do sol no ahu Tongariki

Pela estrada, no escuro, o italiano Guido dirigia devagar (não resisto ao trocadilho: "guidare" é "dirigir" em italiano). Nesta hora, muitos cavalos atravessam a pista, é recomendável cautela. Fizemos o mesmo percurso do dia anterior, mas, desta vez, sem parar nos moais derrubados. Pelo contrário, mirávamos aqueles 15 bem de pé.

O nascer do sol no Ahu Tongariki é uma das experiências pela qual você, leitor, deve passar quando for à Ilha. Nesta época, no fim do ano, ele surge bem atrás dos 15 moais. A sensação é única. Arrumei minha máquina fotográfica sobre o tripé, escolhi o melhor ângulo e esperei.

Os 15 homens de Tongariki, o maior ahu de Ilha de Páscoa

Temos, pois, uns 20 minutos antes que o astro surja. Dá tempo para falar sobre os 15 moais de Tongariki – o maior deles pesa 88 toneladas. Com 200 metros, o ahu é o maior de Páscoa. Foi restaurado em 1996 em uma parceria entre os governos do Chile e do Japão. Em 1960, um tsunami tinha jogado as estátuas 100 metros a frente. Como todos ahus, a plataforma de Tongariki é feita de paredes de basalto com um recheio de cascalho. Sua parte traseira é vertical enquanto a frente tem uma rampa. Nos fundos do ahu, havia crematórios onde eram descartados os corpos dos chefes do clã.

Silhuetas em Tongariki. Chile e Japão colocaram os moais de volta em pé

O sol surgiria no mar, nas costas dos moais. Isso mesmo, nas costas. Com exceção do Ahu Akivi (falo sobre ele no próximo texto) todos os moais ficam de costas para o mar, voltando para o interior da ilha. A ideia é que ele marque presença no cotidiano da comunidade. Por isso, diante deles havia uma praça e, em alguns ahus, as melhores casas (hare paenga) destinadas aos sacerdores e chefes.



Opa, muita conversa. O sol surge no horizonte. Eu sempre gostei desta sensação: sentir no rosto o calor dos primeiros raios solares (lembro-me disso no Salar de Uyuni, na Bolívia, em 2009). A diferença, desta vez, era a silhueta dos 15 gigantes. Diverti-me fazendo fotos e depois correndo próximo ao mar para ver as ondas surrarem a rocha logo pela manhã. Peguei a segunda porção de água para minha coleção. Estava agitado.

Depois do nascer do sol no Tongariki, o mar, logo pela manhã, fazendo seu trabalho

Mas meus amigos tinham pressa de devolver o carro e fomos embora...

O auge

Ainda era manhã quando arrumei minhas malas na casa de Rober. Meu amigo se recuperava de uma inflamação na garganta que o deixara em stand by este tempo todo. Gente boa o Roberto, um autêntico CouchSurfing que prega este espírito de camaradagem, amizade, receber bem. Um amigo.

Sai da casa de Rober e me despedi de Simon, o gato, que vivia ronronando para mim sempre que me via. "O Rober nunca alimenta este animal", pensei. Falando em bicho, no caminho para o hostel Mihinoa, como sempre, fui seguido por cachorros. Eles estão por toda parte. Prepare-se, andar com uma matilha ao redor é quase um esporte local.



Instalei-me no hostel e curti o tempo quente. O sol torrava. Impossível dormir no quarto, imagine nas barracas do camping? Não estava a fim de fazer nada, fiquei conversando com Cris, um jovem mestre cervejeiro canadense. “Não ganho muito, mas faço o que gosto”, disse o gringo. Fui ver o oceano, o sol ardia nas costas. Matei algum tempo lendo a biografia de Tim Maia, escrita por Nelson Mota. Azul da cor do mar, pensei, Tim deve ter visitado esta ilha.

Mas aí fiquei entediado e fui caminhar no centro.

O pôr

Não tinha planos para o dia. Andava à paisana, de tênis casual, sem mantimentos. Encontrei o casal italiano no centro e lembrei-me que, pela manhã, tinha combinado de tomar um café com eles. Também não tinham pressa. Sobrava ainda dois meses de viagem, antes de voltar para Roma e tocar os negócios. Guido, 41, e Francesca, 33, são proprietários de um pub-tabacaria na capital italiana e estão abrindo outro em Barcelona, Espanha. Em seu último dia na ilha, subiriam o Rano Kau. Depois fariam tatuagens nos braços, ele um moai, ela um tangata-maru, e seguiriam viagem pelo Chile.

Dia de sol, mar e caminhada

Segui eu a minha. Comprei alguns pães, uma água, e fui ao museu. Cheguei no exato momento em que os portões estavam fechando. Próximo ao Tahai novamente, fui ver o mar. Olhei para o norte da ilha, teríamos ainda algumas horas de sol. Pensei. Resolvi caminhar, tendo a costa noroeste sempre à minha esquerda. Uma voltinha rápida? Foi o dia em que mais andei em toda a viagem.

O sol ainda estava alto. Mal sabia que, com este tênis aí, caminharia o dia todo

Era fim de tarde, passei pelo Ahu Akapu, apreciei o mar: o azul tornando-se branco ao se chocar com as rochas negras. Azul, branco e preto, se os Rapa Nui tivessem um time de futebol, estas seriam as cores de seu uniforme. Caminhava por um talude quando, de repente, um penhasco! O mar visto de cima, a fúria das ondas e dois jovens pescando lá embaixo nas pedras.

Paredões e ilhotas açoitados pelo mar furioso. Estava perdido, mas valeu a pena

Já tinha andado bastante, o sol brincava no céu querendo se aproximar do horizonte. Era tarde, seria mais sensato voltar pelo mesmo caminho. Não sou nada sensato (um sobrevivente, lembra?). Peguei uma estrada rural e fui ziguezagueando, desviando de cavalos selvagens. Passei por pontos importantes – Ana Kakenga (a casa das duas ventanas), o Ahu Te Peu, mas minha maior preocupação era com o sol que insistia em ir embora. Já estava escuro quando passei pelos pés do Terevaka.



Os pés doíam devido ao péssimo calçado. Foi o nativo Carlos Puku, 22 anos, casado e pai de uma criança, que me salvou. Deu uma ré de 50 metros quando me viu pelo retrovisor, gritando na estrada. Tinha trabalhado o dia inteiro na roça e àquela hora, ia vistoriar a construção da própria casa. "Hay que trabajar”, dizia orgulhoso. Puku me deixou na estrada de Anakena, mais movimentada, onde consegui rápido outra carona para o centro. Estava salvo.

Sozinho em Ilha de Páscoa pouco antes de ser salvo por um nativo

Nenhum comentário: