A matrioshka é aquela bonequinha tradicional da Rússia, um brinquedo formado por uma série de bonecas de madeira de tamanhos diferentes – a menor colocada dentro da maior e assim por diante (na ex-soviética Praga existem milhares delas). Pois foi como estar dentro de uma matrioshka o sentimento da viagem de Malmö a Berlim.
Fim do congresso, nos despedimos do grupo: a sociedade do anel estava desfeita. Flávia e Davi ficariam mais um dia em Malmö e depois conheceriam Praga, Enio esticaria alguns dias em Copenhague e terminaria a viagem em Amsterdam. Mas o Juttel e eu estávamos com pressa, nossa programação era mais puxada.
Fomos para a estação de trem de Malmö pela último vez, o Juttel com seu eterno toc-toc do arrastar de mala, e eu fazendo conjunto com ele e feliz da vida por ter minha bagagem de volta. Pegamos o trem e vimos a pequena Malmö ficar para trás.
Foi minha primeira vez em um trem com cabines e camas. Tivemos a sorte de pegar as camas do meio e nos demos bem com um casal de silenciosos e bem comportados (sério?) suecos. Obviamente não ficamos parados, enfiamos a cara pela janela, vimos um velho alemão que dava medo e conhecemos uns adolescentes noruegueses de passeio no país vizinho.
Pelo lado de fora da janela, a Suécia ia correndo em sentido contrário ao do trem. Passamos por áreas mais pobres – sim elas existem – com casinhas conjugadas e micro-quintais, plantações e outras paisagens. A noite ia caindo, talvez reflexo de nossa descida em direção ao latitudes menores. Mas então o trem parou.
De cara não entendi bem aquela gente loira e nórdica tentando me explicar. Como assim? “Train on boat?” Foi o Juttel que contou. “Um pouco para direito chefia, isso, agora externa tudo”, diria um manobrista. E o trem, na boca do litoral, estava fazendo manobras para entrar dentro de um navio!
Já peguei balsas estando dentro de carros, mas trem dentro de navio, confesso, primeira vez. Lembro que sentia o chacoalhar nauseante da embarcação, enquanto deitado escrevia algumas linhas na agenda: “Mar do Norte. Penso que seja esse o nome do lugar onde estou agora, em alguma parte do Oceano Atlântico. Estranho dizer, mas estou em um trem!”
A viagem foi doida, de fato. Saímos do trem e pegamos um elevador para o alto do navio. Quando saímos pela porta, bizarro: pessoas esparramadas por aqui e ali, gente em restaurante, uma mulher no caça-níqueis com o filho, um freeshop.
Subimos mais um pouco e estávamos do lado de fora do navio. Vento cortante trazendo a brisa do Atlântico Norte (“É como se mil facas entrassem em seu corpo”, diria Leonardo Di Carpio sobre a temperatura da água naquela latitude do oceano, em um filme conhecido). A vista? Belíssima. De longe víamos o pôr-do-sol lá na Escandinávia – na terra do sol da meia noite, nada mais apropriado que o sol se demorasse um pouquinho mais.
Voltamos para o navio, andamos aqui e ali e eu preferi voltar ao trem. Estava preocupado com o macbook e bastante cansado. Tomei uma daquelas águas minerais em caixinha. “Não pode tomar água da torneira”, tinha avisado a prestativa sueca ao Juttel. “Ela deve pensar que eu sou bobo”, reclamou ele pra mim, minutos depois.
O Luiz disse ter sofrido com um vento nos fundilhos, mas eu dormi como anjo. Nem vi quando o trem deixou de ser bagagem e andou com as próprias pernas, em trilhos alemães. Também não percebi quando chegamos à grandiosa Berlin Hauptbanhof.
Tema, claro, para outro post.
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