terça-feira, 6 de julho de 2010
Pelas santas do Vale Sagrado – parte final
“É difícil encontrar alguém disposto a caminhar desse jeito”, disse eu a Marco. O argentino pensava o mesmo de mim. Após duas viagens de vans, contaríamos somente com pernas e vontade para chegar à cidade sagrada. Antes disso, teríamos que encontrar uma linha de trem, no caminho de uma hidrelétrica. A noite estava chegando. "Tenemos que meter un buon paso", dizia Marco.
A nossa trilha de migalhas de pão era o próprio Urubamba. Ele e paredões intermináveis de rocha do onipresente Andes. Emocionante cruzar pontes e sentir emparedado pela cordilheira. E preso por um céu que de cinza se tornava escuro. Era quase noite, e faltava para chegarmos.
Passamos sobre uma cachoeira que saía, pasmem, de dentro de uma rocha. “Cuidado: zona de caida de rocas”, dizia a placa. Nossa preocupação era outra. Já estava tarde e teniamos todavia una buon paso para caminar. Nos quilômetros finais, uma van de chilenos nos salvou. Mesmo encontrando a trilha de tem, jamais acertaríamos os atalhos pelo meio da mata. Os chilenos sabiam.
E foi com eles que caminhamos mais um par de horas, no escuro, pela linha de trem. As luzes das lanternas mostravam o caminho e, vez ou outra, gritávamos “hoyo” (buraco) – quando um gritava, todos gritavam para avisar o que vinha de trás.
Tarde da noite, chegamos a Aguas Calientes. Até teríamos, Marco e eu, uma aventura com as duas chilenas que faziam parte do grupo. Mas, pela primeira vez, outras necessidades, as de descanso, falaram mais alto. Estávamos mortos. E as chilenas também. Deixamos as possíveis aventuras amorosas para um outro dia. Quem sabe depois de conhecermos Machu Picchu.
Era o nosso compromisso para as próximas horas.
Pelas santas do Vale Sagrado – parte 2
A lembrança veio após a segunda colher de um delicioso feijão com arroz em Santa Teresa, a segunda santa de nossa história. “Ainda volto aqui”, dizia Marco, deslumbrado com a pureza e o encanto da cidadezinha. Eu me divertia com o feijão, após quase um mês viajando por cidades pouco afeitas a nossa iguaria tão brasileira.
Santa Teresa, de fato, é uma graça. A cidadezinha foi totalmente soterrada por um deslizamento de terra e reerguida pelos próprios moradores. Em homenagem ao povo, foi construída a Plaza Cívica de la Solidariedad, diante da qual eu saboreava meu feijão, arroz, salada e frango à milanesa. No fim do almoço, um café diferente – um concentrado líquido que colocamos na água quente com açúcar. Muito bom.
Ficamos aproveitando aquela pequena cidade, ali, de sua praça principal. As crianças, voltando da escola, corriam aqui e ali; senhores passavam de bicicleta. E para testar se de fato fazíamos sempre a mesma foto, Marco e eu trocamos de câmera. As fotos ficaram iguais...
A parada foi ótima, mas tínhamos que seguir caminho. Um cheiro bom tomava conta do ar: compramos pão quentinho e outros quitutes para a viagem. “Tenemos que meter un buon paso”, recomendou Marco. Era meio da tarde, o tempo esta fechado e não poderíamos correr o risco de encarar estrada a noite.
Caminhamos em direção a uma hidrelétrica.
segunda-feira, 5 de julho de 2010
Pelas santas do Vale Sagrado – parte 1
Deixamos nossa bagagem no hostel e, de malas menores nas costas, fomos até a região onde se pegam as vans para o povoado de Santa Maria, a primeira santa desta história. Antes de entrar na van, murilice minha: esqueci o tripé dentro do taxi. Teria que fazer fotos da cidade sagrada com um equipamento a menos.
A van, cheia de moradores locais, contornou os Andes. Desfiladeiros e paredões gigantescos, uma paisagem à Senhor dos Anéis. Atravessamos várias vezes o rio Vincanota, o mais importante da região, que troca de nome para Urubamba e, depois de muitos quilômetros, deságua no Amazonas.
Mas então a chuva nos parou. Quem acompanha os noticiários deve ter visto a devastação no Vale Sagrado com a cheia do Urubamba, no começo de 2010. Chove muito naquela região no início do ano, mesma época em que eu estive lá, em 2009. Daí a trilha inca estar fechada. E também por isso, um deslize de terra ter nos parado por quase uma hora, logo no início da viagem.
“Cuidado: zona de derrumbres”, informava a placa. Paramos para tomar um café quente preparado por uma mulata suada. Ela fazia PFs e outros quitutes em meio à fumaça e ao calor do fogo. Chovia do lado de fora. Mas fomos informados que a estrada estava de novo aberta. A viagem seguiu.
Na van, música moderna peruana e uma longa conversa com meu amigo Marco. Ouvi de novo sobre Franco, o irmão-herói, e sobre a mãe, famosa pelos pães caseiros feitos no forno de barro, nos fundos de casa. Um dia ainda visito meu amigo em Santa Fé. Um senhor insistia em repousar sua cabeça no ombro de Marco, como fizeram Ben na viagem para Copacabana. E do lado de fora, paredões, povoados e o majestoso Urubamba acompanhavam nossa aventura.
Santa Maria estava próxima. Viria depois de muitas curvas, subidas e descidas. E, como outros povoados, estava debaixo d’água – não pela cheia do Urubamba, mas pela chuva sem trégua. Algumas mulheres vendiam frutas em barracas, crianças brincavam na água e outras vans se enfileiravam. Estávamos no meio da viagem.
E outra santa nos aguardava.
quinta-feira, 1 de julho de 2010
Enfim, no umbigo do mundo
No umbigo do mundo, enfim
Na rodoviária de Cusco já tinha sido assim. Entre os gritos de vendedores de passagem, uma mulher nos pressionou com sua opção de hostel, o melhor da cidade e com o melhor preço. Eu estava disposto aceitar, mas o Marco não. “Melhor andarmos e procurarmos nós próprios”, falou em castelhano. Pegamos um táxi, caminhamos. Antes disso, vi o Daniel andando sozinho pela rodoviária. Sabia que me encontraria com ele novamente.
Batemos perna por Cusco, sempre com a melodia infernal dos taxistas. Malditas buzinas. Passamos pela Plaza del Armas, no centro; fomos recusados em um hostel, mas encontramos outro, muito bom, diga-se, da rede Backpackers. Boa cama, bom banho e um bom café da manhã. Havíamos encontrado o nosso lar no umbigo do mundo.
El Sol ou Inti K'ijllu? Principal rua mostra a mistura de culturas
O centro de Cusco é louco. As pessoas querendo vender de tudo, mulheres oferecendo massagens. Sei, massagens... Turistas de todos os cantos. Estávamos diante do perfeito exemplo de destruição de uma cultura por outra. Sobre o cadáver dos edifícios incas, imponentes igrejas espanholas tomavam conta da vista. E o comércio tomando conta de tudo. Bonito, mas triste.
Nas andanças nos juntamos à Paula, uma brasileira perdida por Cusco. Andamos a nossa maneira, meio querendo fazer nada. O estilo Marco e Murilo de ser que só uma terceira pessoa se adaptaria. Mas Paula não era como Ben, e não se adaptou. Tiramos nossas “mesmas fotos”, trilhamos pela calle El Sol, vagamos pelo Centro de Artesanato. E cruzamos mais uma vez com Daniel.
Bom encontrar um velho amigo, o mesmo que me acompanhou por todo o tour em Uyuni, agora ali, em Cusco. Estava com uma amiga também, outra brasileira. Os cinco andamos juntos, almoçamos algo qualquer e experimentei a tal chicha morada – um suco à base de milho roxo. Doce, mas estranho.
Daniel, de volta e novos amigos de viagem
Chovia em Cusco, e Paula já se integrava aos dois novos colegas. Tentamos conhecer os atrativos da cidade – as igrejas, o convento. Construções incas, agora católicas. Vimos umas apresentações culturais, danças típicas de várias regiões do Peru. Bem interessante, um dia de Cusco. À noite, fotos da igreja, sob a chuva. Marco se deu bem por ter um mini-tripé. Eu tentei segurar a câmera no muque. Não fizemos a mesma foto.
Chove em Cusco. Fotos noturnas e eu sem meu tripé
Depois, janta. Marco estranhava nosso modo brasileiro de nos comunicar e ficou um pouco na dele. As vezes eu traduzia uma ou outra piada, mas no idioma universal, meu amigo portenho saboreava uma boa cusqueña – a cerveja local – conosco.
Danças típicas peruanas, no centro cultural
Era tarde quando voltamos ao hostel. Cansados, não nos incomodamos com as pessoas que dividiam o quarto ou com a bagunça que acontecia no salão de festa. De fato, um bom hostel, mas no outro dia, teríamos uma missão importante: trilhar até Machu Picchu.