Elisa estava compenetrada nas palavras-cruzadas que eu levo sempre comigo. Franzia a testa e tentava responder as perguntas, começando pelas mais fáceis. A italiana não entendia bem esse difícil idioma português, mas arriscou um palpite à pergunta “Astro como a Lua”: ESTRELA, escreveu e, como não coubera entre os quadrinhos, colocou um “l”a mais – ESTRELLA, bem italiano.
“Lua é satélite, não estrela”, caçoei, rindo bastante. “Na Itália, Lua é estrela”, devolveu ela, ligeira, enquanto dobrava e me entregava o caderno de palavras-cruzadas. Desistira.
O tema idioma não poderia faltar neste especial, ainda que seja por países da América do Sul, com seu castelhano onipresente. Sempre tem turistas como a italiana Elisa, amiga do hostel El Andaluz, para contar histórias. Mas há outras.
Lá no hostel ainda, o castelhano predominava, e tinha acentos e entonações diferentes dependendo da origem do falante. Os latinos se encontravam no sofá e buscavam um entendimento. Alguns gringos de outras linhagens também.
Longe dali, com outros personagens, o idioma continua rendendo histórias. Foi o inglês de Laerte que me fez conhecer aquela turma bacana, em San Pedro. Ele pedira uma informação no idioma saxão e eu o ajudara, em meu castelhano já um pouco melhorzinho. Laerte agradeceu com o brasileiríssimo “obrigado” e ficamos amigos.
Conheci também um casal de irlandeses que gostavam de falar rápido para me confundir. O idioma inglês, a propósito, me fez passar maus bocados também no salar. Já acostumara o ouvido com as doses de castelhano em Salta e San Pedro. Mas aí me juntei com suíços, uma americana e um brasileiro de inglês fluente. E eu com meu inglês meia boca.
Lá no cemitério dos trens, caprichava nas fotos, mas deveria ter caprichado na frase que formaria no idioma alheio. “The sky is beautiful, but your face not”, disse. Riram de mim e tive que concordar. Querer dar aula sobre luz e sombra na fotografia, em inglês, não é comigo.
Aula de espanhol
Ao longo da viagem fui pegando o jeito de falar de nossos vizinhos aí na América do Sul. Tive momentos difíceis com meu melhor amigo da viagem - vocês vão conhecê-lo em breve. “Murilo, no te entiendo”, dizia ele um par de vezes.
Mas no aeroporto de Lima, na viagem de volta, arrumei um quiprocó com a atendente da empresa Lan digno de mestre. O espanhol saiu tão fácil que vou acabar sendo convidado para a Real Academia Espanhola.
É, eu sei, nem tanto.
terça-feira, 26 de maio de 2009
A tortura boliviana
Minhas pernas doíam, especialmente as canelas. As pernas, aliás, já nem mais sentia. O ônibus chacoalhava e eu me espremia com parte da bagagem nos pés. Ônibus boliviano, devia esperar. Cheio, pessoas nos corredores, algumas me olhando. E na poltrona ao lado, um folgado boliviano esparramava as pernas sobre as minhas.
A viagem de Uyuni para Potosí foi a pior de todas. Não me lembro, aliás, de outra tão ruim quanto aquela, em meu longo affair com ônibus. Correra para pegar o busão; sequer dera tempo de tirar a máquina fotográfica do pescoço. Bufava, meio de nervoso, meio de cansado.
Foi Daniel quem me acalmou. Depois de percebermos que o ônibus sairia a qualquer momento, ele e eu fomos buscar minha bagagem. O escritório da empresa estava fechado. Liguei para uma chola abrir, tremendo.
Abracei depressa a norte-americana Shannon. Sabia que não voltaria mais a vê-la. Dei um abraço em e beijei o rosto de meu amigo Daniel. Como Max, o pessoal de Salta e a turma de San Pedro, era a vez de Daniel passar o bastão para outro contar a história. Seu tempo acabara. Ou não?
No ônibus, fui o último a entrar. Sentei-me próximo dos suíços que seguiriam para La Paz e fiquei 'apreciando' as curvas e aquele mundaréu de gente. As paradas eram coisas do outro mundo. A quintessência da parada capenga para aquele lanche rápido. Reclamou dos banheiros da rodoviária ou do sanduba gordurento da lanchonete? Você deveria viajar para Bolívia.
Voltei a me ‘acomodar’ no ônibus, mas dormir era impossível. Reparava aquelas cholas (as famosas tias bolivianas/peruanas) sentadas no chão. Uma delas me encarava. Senti-me incomodado, não é de meu feitio ficar sentado enquanto alguém bem mais velho que eu gastava os joelhos em uma viagem difícil.
Pensei. Cogitei. Mas na disputa entre o espírito humanitário e o de sobrevivência, ganhou este segundo. Fiquei sentado, preservando os resquícios de dignidade daquela péssima viagem.
Ela acabaria de madrugada, após seis horas de tortura boliviana. Chegávamos em Potosí e eu serviria de guia para outros gringos.
A viagem de Uyuni para Potosí foi a pior de todas. Não me lembro, aliás, de outra tão ruim quanto aquela, em meu longo affair com ônibus. Correra para pegar o busão; sequer dera tempo de tirar a máquina fotográfica do pescoço. Bufava, meio de nervoso, meio de cansado.
Foi Daniel quem me acalmou. Depois de percebermos que o ônibus sairia a qualquer momento, ele e eu fomos buscar minha bagagem. O escritório da empresa estava fechado. Liguei para uma chola abrir, tremendo.
Abracei depressa a norte-americana Shannon. Sabia que não voltaria mais a vê-la. Dei um abraço em e beijei o rosto de meu amigo Daniel. Como Max, o pessoal de Salta e a turma de San Pedro, era a vez de Daniel passar o bastão para outro contar a história. Seu tempo acabara. Ou não?
No ônibus, fui o último a entrar. Sentei-me próximo dos suíços que seguiriam para La Paz e fiquei 'apreciando' as curvas e aquele mundaréu de gente. As paradas eram coisas do outro mundo. A quintessência da parada capenga para aquele lanche rápido. Reclamou dos banheiros da rodoviária ou do sanduba gordurento da lanchonete? Você deveria viajar para Bolívia.
Voltei a me ‘acomodar’ no ônibus, mas dormir era impossível. Reparava aquelas cholas (as famosas tias bolivianas/peruanas) sentadas no chão. Uma delas me encarava. Senti-me incomodado, não é de meu feitio ficar sentado enquanto alguém bem mais velho que eu gastava os joelhos em uma viagem difícil.
Pensei. Cogitei. Mas na disputa entre o espírito humanitário e o de sobrevivência, ganhou este segundo. Fiquei sentado, preservando os resquícios de dignidade daquela péssima viagem.
Ela acabaria de madrugada, após seis horas de tortura boliviana. Chegávamos em Potosí e eu serviria de guia para outros gringos.
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segunda-feira, 25 de maio de 2009
Na imensidão branca do salar
No meio do nada nós brincávamos. Fotos aproveitando a perspectiva: Daniel nos ombros de Shannon ou todos nós dentro de um boné sendo alimentados a biscoitos. Típico de turistas. No jipe, o cansado Jimi dormia.
Todos estávamos sonolentos quando acordamos para nosso terceiro e último dia de tour. Mas Jimi teria outros motivos que só ele pode explicar. Uma namorada em San José, sugerimos. Ou algo que fizera nosso motorista perder o horário de nossa saída. E que nos fizera perder o nascer do sol no Salar de Uyuni.
Era ainda madrugada quando o impaciente aqui acordou. Não aguentava ficar na cama esperando o Jimi que tardava a chegar. Levantei e fui atrás de notícias, acordei um outro boliviano, que foi busca-lo. De onde o cara tirou Jimi não sei. Mas desconfio.
Saímos apressados e com a cara amassada. Jogamos as malas sobre o jipe e entramos. Corríamos contra o sol, ou ao menos antes de ele surgir no horizonte. Jamais ganharíamos. O jipe levantava poeira por plantações da famosa quinua (alimento altamente protéico e só encontrado ali), quando a primeira pontinha alaranjada surgiu.
Era ele, o sol. Pedi para Jimi parar e fui apoiado sem muito entusiasmo pelos colegas de carro. Fui o primeiro a sair e me desloquei do grupo. Nascer do sol, em solo boliviano e rodeado de quinua. Não era o mesmo que o salar, mas já era alguma coisa.
Enfim, o branco
Foi com muita emoção e já sem mais sonolência que chegamos ao Salar de Uyuni. Quilômetros a fio de puro sal, ao menos oitenta até nosso próximo ponto. Pedi novamente para o carro parar, queria brincar naquela imensidão.
Os gringos estavam agora mais dispostos. Para onde olhávamos só víamos nada. O azul do céu e o branco do sal, mais nada. Fizemos aquelas fotos em que a perspectiva do perto e do longe é deixada às favas. O animado Daniel comandou as poses, posicionei a máquina no tripé e “flash”. Então, Jimi se vira mais uma vez no banco do carro e se dá conta do horário. De volta à estrada.
Mais algum bom tempo rodando sobre o nada até que uma ilha surgiu na nossa frente. A Isla del Pescado, assim chamada devido sua forma de peixe. Nela, cactus milenares e com mais de dez metros de altura buscam no céu um abrigo do branco de ofuscar olhos cá debaixo. Sobreviventes e fenomenais.
Apreciar o salar do alto da ilha é se aproximar de um algo a mais, muito além disso e daquilo. Talvez aquela ausência de cor, ou somatória de todas para ser mais preciso, signifique algo. Uma tentativa de comunicação em forma de branco, de nada. Confuso e difícil de explicar, bem difícil. Mas emocionante.
O sal nos esperava também no hotel feito dele. Dormiríamos por ali não fossem os problemas nos carros da frota. É nada não. Lambemos paredes e estátuas para provar a matéria-prima da argamassa. Sal puro.
Fim de salar, fim de viagem
O almoço foi numa vila, no Salar de Colchani, onde compramos algumas bugigangas e lembranças. Comprei um rak sak (aquela bolinha de pano cheia de milho para ficar chutando) e desafiei os gringos para um “altinha”. Eles não sabiam do que eu estava falando.
Cansados, demos chance para uma última parada. Um cemitério de trens, resquícios dos tempos gloriosos em que o comercio de prata, vindo das minas de Potosí, era grande naquela região. Hoje, são carcaças. Cadáveres.
Na pequena cidade de Uyuni, respiro antes das próximas aventuras na Bolívia, começou o clima de despedidas. Primeiro do Jimi, nosso motorista e amigo. E depois dos parceiros de viagem.
Comprei um descongestionante nasal para aliviar o seco e a poeira de dias acumulada em minhas narinas, que eram puro sangue seco - por toda viagem, andava com um lenço molhado debaixo do nariz, mas aquilo já estava me matando. Descarregamos fotos em uma lan house; a atendente, uma criança, fedia a salgadinho. Atualizamos internet. Estava tranquilo, andando com o Daniel atrás de comida, quando me dei conta. Meu ônibus estava saindo.
Correria, típico. Talvez seja sina correr atrás de ônibus. Ou pior, seja sina conviver com este sôfrego eu. Corro para não perder a lotação e vocês se preparam para não perderem a viagem.
Todos estávamos sonolentos quando acordamos para nosso terceiro e último dia de tour. Mas Jimi teria outros motivos que só ele pode explicar. Uma namorada em San José, sugerimos. Ou algo que fizera nosso motorista perder o horário de nossa saída. E que nos fizera perder o nascer do sol no Salar de Uyuni.
Era ainda madrugada quando o impaciente aqui acordou. Não aguentava ficar na cama esperando o Jimi que tardava a chegar. Levantei e fui atrás de notícias, acordei um outro boliviano, que foi busca-lo. De onde o cara tirou Jimi não sei. Mas desconfio.
Saímos apressados e com a cara amassada. Jogamos as malas sobre o jipe e entramos. Corríamos contra o sol, ou ao menos antes de ele surgir no horizonte. Jamais ganharíamos. O jipe levantava poeira por plantações da famosa quinua (alimento altamente protéico e só encontrado ali), quando a primeira pontinha alaranjada surgiu.
Era ele, o sol. Pedi para Jimi parar e fui apoiado sem muito entusiasmo pelos colegas de carro. Fui o primeiro a sair e me desloquei do grupo. Nascer do sol, em solo boliviano e rodeado de quinua. Não era o mesmo que o salar, mas já era alguma coisa.
Enfim, o branco
Foi com muita emoção e já sem mais sonolência que chegamos ao Salar de Uyuni. Quilômetros a fio de puro sal, ao menos oitenta até nosso próximo ponto. Pedi novamente para o carro parar, queria brincar naquela imensidão.
Os gringos estavam agora mais dispostos. Para onde olhávamos só víamos nada. O azul do céu e o branco do sal, mais nada. Fizemos aquelas fotos em que a perspectiva do perto e do longe é deixada às favas. O animado Daniel comandou as poses, posicionei a máquina no tripé e “flash”. Então, Jimi se vira mais uma vez no banco do carro e se dá conta do horário. De volta à estrada.
Mais algum bom tempo rodando sobre o nada até que uma ilha surgiu na nossa frente. A Isla del Pescado, assim chamada devido sua forma de peixe. Nela, cactus milenares e com mais de dez metros de altura buscam no céu um abrigo do branco de ofuscar olhos cá debaixo. Sobreviventes e fenomenais.
Apreciar o salar do alto da ilha é se aproximar de um algo a mais, muito além disso e daquilo. Talvez aquela ausência de cor, ou somatória de todas para ser mais preciso, signifique algo. Uma tentativa de comunicação em forma de branco, de nada. Confuso e difícil de explicar, bem difícil. Mas emocionante.
O sal nos esperava também no hotel feito dele. Dormiríamos por ali não fossem os problemas nos carros da frota. É nada não. Lambemos paredes e estátuas para provar a matéria-prima da argamassa. Sal puro.
Fim de salar, fim de viagem
O almoço foi numa vila, no Salar de Colchani, onde compramos algumas bugigangas e lembranças. Comprei um rak sak (aquela bolinha de pano cheia de milho para ficar chutando) e desafiei os gringos para um “altinha”. Eles não sabiam do que eu estava falando.
Cansados, demos chance para uma última parada. Um cemitério de trens, resquícios dos tempos gloriosos em que o comercio de prata, vindo das minas de Potosí, era grande naquela região. Hoje, são carcaças. Cadáveres.
Na pequena cidade de Uyuni, respiro antes das próximas aventuras na Bolívia, começou o clima de despedidas. Primeiro do Jimi, nosso motorista e amigo. E depois dos parceiros de viagem.
Comprei um descongestionante nasal para aliviar o seco e a poeira de dias acumulada em minhas narinas, que eram puro sangue seco - por toda viagem, andava com um lenço molhado debaixo do nariz, mas aquilo já estava me matando. Descarregamos fotos em uma lan house; a atendente, uma criança, fedia a salgadinho. Atualizamos internet. Estava tranquilo, andando com o Daniel atrás de comida, quando me dei conta. Meu ônibus estava saindo.
Correria, típico. Talvez seja sina correr atrás de ônibus. Ou pior, seja sina conviver com este sôfrego eu. Corro para não perder a lotação e vocês se preparam para não perderem a viagem.
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terça-feira, 19 de maio de 2009
No carro de Jimi, a batida para
O sal começa a engrossar nos pneus do jipe de Jimi. O carro para. Não pelo sal, mas por um pneu furado. Estávamos no meio do deserto, na beira do salar de Uyuni. Outro carro vem nos ajuda, mas também tem problemas. Um pneu, um sistema elétrico. E uma criança de quatro meses no carro vizinho.
Levantamos cedo naquele dia para seguir viagem. O sol tinha um amarelo gostoso em sua inclinação mais fotogênica. Fazia frio, tomamos um bom café e chá de coca e encaramos o ventinho da altitude.
Pela manhã tínhamos companhia. As aves e ovelhas que brigavam por comida, e lhamas que vinha buscar direto no lixeiro. Domesticadas, elas não davam muita bola para aquele monte de gringos e seus sotaques.
Nos preparamos para sair. Dei uma última olhadela para Laguna Colorada, em seu ângulo desfavorável. Ajudamos o Jimi a carregar o jipe e seguimos viagem. O som boliviano voltou a tomar conta do jipe de Jimi. Conversava com os amigos estrangeiros. Aguardávamos surpresas.
E vieram em forma de árvore. A Árbol de Piedra, parecida com as formações esculpidas pelo vento de Vila Velha, no Paraná. Também fantástica. Subimos aqui, ali, acolá e exploramos tudo. Com máquinas nas mãos e ideias na cabeça – vide foto colhendo uma maçã da árvore. Coisa boba.
Na sequência da viagem voltaram desfilar as lagunas altiplânicas. Cada uma com sua particularidade, Honda, Hediona e Cañepa. Não podia mais ver lagoas e seus flamingos dando uma de saci. Mas a vista é linda.
No caminho também nos seguiam picos nevados, em cumes de 5.200 metros de altitude, e vulcões em atividade. Pequenos paradoxos bolivianos. O carro deu seu primeiro aviso – Jimi pediu para seguirmos um trecho complicado a pé, para não forçar o jipe. Andamos um pouco e ali paramos. Hora do almoço.
Comida ao céu aberto, gelada. Preparada por uma das tias bolivianas de cara fechada. Elas nuca riem. Mas como o paladar é inversamente proporcional à fome, a comida estava ótima. O local foi bom para relaxar e ouvir o silencio. Ou fazer o montinho de pedra como reza a tradição local.
Próxima parada...
Então seguimos viagem e o sal engrossou igual em espeto de chão gaúcho. De repente, o jipe para. Pneu. Nosso herói faz o seu serviço, enquanto um conterrâneo também para e presta auxílio. Mas na hora de dar a partida é o carro do outro que não responde.
Notamos que por alguns momentos a música de Jimi parara de tocar. “Parou?!”, vibramos ainda incrédulos. Engano, poucos minutos depois e a batida bolviana voltou a dominar o ambiente e nossas mentes.
Saímos todos dos carros e nos encontramos com o outro grupo. Muitos gringos no meio do nada. Ao fundo, pequenos furacões davam feições de deserto ao que de fato a região era. Jimi e o conterrâneo ajeitavam a parte elétrica do carro do outro e uma mãe boliviana ninava o pequeno de quatro meses no colo.
San José del Deserto
Tivemos que parar na pequena San José, uma cidadezinha no meio do deserto. Compramos alguns chocolates, tirei algumas fotos dos meninos que se lambuzavam com o salgadinho laranjado. No carro, meus amigos faziam o tempo passar a base de cantoria. Mas o tempo havia passado demais.
Tanto que no final das contas ficamos em San José. Nada de passar a noite em hotel de sal, uma pena. Mas tomamos um banho quente (que depois foi cobrado por um cara da hospedagem , também como manda a tradição local). Tomamos sopa, comemos macarrão, nos esbaldamos na bolacha e no café. E descansamos.
Não sem antes ver o sol se pôr. Aquele mesmo das lhamas e ovelhas, no mesmo tom amarelado. Tomamos vinho sob o vento frio. Daniel e eu conhecemos um cemitério de múmias chalpas – pelo tempo super seco, a região é um oásis para os arqueólogos, explicou ele. Já a guia local explicou nada.
“Essa tribo nunca via o sol, só a noite. Então uma vez eles saíram no sol e morreram e estão aí até hoje”, ou algo do tipo. Eu não entendi nada. O Daniel menos.
Mas já era noite, voltamos ao alojamento tateando no escuro. Tínhamos que descansar. No outro dia veríamos um salar.
Levantamos cedo naquele dia para seguir viagem. O sol tinha um amarelo gostoso em sua inclinação mais fotogênica. Fazia frio, tomamos um bom café e chá de coca e encaramos o ventinho da altitude.
Pela manhã tínhamos companhia. As aves e ovelhas que brigavam por comida, e lhamas que vinha buscar direto no lixeiro. Domesticadas, elas não davam muita bola para aquele monte de gringos e seus sotaques.
Nos preparamos para sair. Dei uma última olhadela para Laguna Colorada, em seu ângulo desfavorável. Ajudamos o Jimi a carregar o jipe e seguimos viagem. O som boliviano voltou a tomar conta do jipe de Jimi. Conversava com os amigos estrangeiros. Aguardávamos surpresas.
E vieram em forma de árvore. A Árbol de Piedra, parecida com as formações esculpidas pelo vento de Vila Velha, no Paraná. Também fantástica. Subimos aqui, ali, acolá e exploramos tudo. Com máquinas nas mãos e ideias na cabeça – vide foto colhendo uma maçã da árvore. Coisa boba.
Na sequência da viagem voltaram desfilar as lagunas altiplânicas. Cada uma com sua particularidade, Honda, Hediona e Cañepa. Não podia mais ver lagoas e seus flamingos dando uma de saci. Mas a vista é linda.
No caminho também nos seguiam picos nevados, em cumes de 5.200 metros de altitude, e vulcões em atividade. Pequenos paradoxos bolivianos. O carro deu seu primeiro aviso – Jimi pediu para seguirmos um trecho complicado a pé, para não forçar o jipe. Andamos um pouco e ali paramos. Hora do almoço.
Comida ao céu aberto, gelada. Preparada por uma das tias bolivianas de cara fechada. Elas nuca riem. Mas como o paladar é inversamente proporcional à fome, a comida estava ótima. O local foi bom para relaxar e ouvir o silencio. Ou fazer o montinho de pedra como reza a tradição local.
Próxima parada...
Então seguimos viagem e o sal engrossou igual em espeto de chão gaúcho. De repente, o jipe para. Pneu. Nosso herói faz o seu serviço, enquanto um conterrâneo também para e presta auxílio. Mas na hora de dar a partida é o carro do outro que não responde.
Notamos que por alguns momentos a música de Jimi parara de tocar. “Parou?!”, vibramos ainda incrédulos. Engano, poucos minutos depois e a batida bolviana voltou a dominar o ambiente e nossas mentes.
Saímos todos dos carros e nos encontramos com o outro grupo. Muitos gringos no meio do nada. Ao fundo, pequenos furacões davam feições de deserto ao que de fato a região era. Jimi e o conterrâneo ajeitavam a parte elétrica do carro do outro e uma mãe boliviana ninava o pequeno de quatro meses no colo.
San José del Deserto
Tivemos que parar na pequena San José, uma cidadezinha no meio do deserto. Compramos alguns chocolates, tirei algumas fotos dos meninos que se lambuzavam com o salgadinho laranjado. No carro, meus amigos faziam o tempo passar a base de cantoria. Mas o tempo havia passado demais.
Tanto que no final das contas ficamos em San José. Nada de passar a noite em hotel de sal, uma pena. Mas tomamos um banho quente (que depois foi cobrado por um cara da hospedagem , também como manda a tradição local). Tomamos sopa, comemos macarrão, nos esbaldamos na bolacha e no café. E descansamos.
Não sem antes ver o sol se pôr. Aquele mesmo das lhamas e ovelhas, no mesmo tom amarelado. Tomamos vinho sob o vento frio. Daniel e eu conhecemos um cemitério de múmias chalpas – pelo tempo super seco, a região é um oásis para os arqueólogos, explicou ele. Já a guia local explicou nada.
“Essa tribo nunca via o sol, só a noite. Então uma vez eles saíram no sol e morreram e estão aí até hoje”, ou algo do tipo. Eu não entendi nada. O Daniel menos.
Mas já era noite, voltamos ao alojamento tateando no escuro. Tínhamos que descansar. No outro dia veríamos um salar.
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domingo, 10 de maio de 2009
Um dia repleto de lagunas
A batida tradicional de Kaja Marka dava o tom da viagem. “A música nunca para”, comentei algumas vezes. Kaja Marka era apenas um dos vários cantores bolivianos que formariam a trilha sonora de Jimi, nosso motorista. Estávamos em solo boliviano. Do lado de fora da janela, montanhas, vulcões e deserto compunham a paisagem. Dentro, Kaja Marka entoava mais um refrão.
Chegamos ao país dentro de um 4X4. Quando cruzamos a fronteira, Jimi anunciou “Bem-vindos à Bolívia”. Mas já estávamos no clima com as primeiras batidas de Kaja Marka. No carro, os suíços Benjamin, Ramon e Daniel, a norte-americana Shannon e o catarinense Daniel. Queríamos conhecer um salar.
O tour explorava a Reserva de Fauna Andina Eduardo Avaroa, no sul da Bolívia. Três dias dentro de um carro, dormindo em alojamento e boquiabertos diante de paisagens magníficas. Após lagoas e muitas formações rochosas, a viagem terminaria no Salar de Uyuni. Mas uma coisa por vez.
Voltamos ao carro, onde deixamos as musicas de Jimi tomar conta. Eram todas no mesmo ritmo, as vezes com um tom meio indiano. E não tinha fim. As inibições de idiomas e nacionalidade aos poucos foram acabando nas conversas com os amigos mochileiros. Nos divertíamos com as variações de xingamentos nas várias línguas. O time estava formado.
Uma série de lagunas nos esperaria pela frente. De todas as tonalidades, começando pela branca, depois pela verde, aos pés do vulcão Licancabur. Mesmo na Bolívia ele ainda era onipresente.
As lagunas se seguiram, Honda, Hedionda, entre outras. Paisagem de espelhos d’água, vulcões em atividade e flamingos (são quatro espécies, uma delas só existe ali). Também passamos por fumegadores, uma espécie de gêiser que só solta fumaça. E ainda pelo banho quente em águas termais. Pouca coisa pelo que nos esperava adiante.
Laguna Colorada
Após tantas lagunas, paramos diante da mais bela de todas, e ali ficamos. A Laguna Colorada não é era só um espaço para deslumbramento e contemplação, mas também o pouco de nosso primeiro dia. Estávamos cansados e famintos, mas precisávamos conferir a lagoa.
Uma das maravilhas naturais da Bolívia, a Laguna Colorada concorre no concurso The News Seven Wonders, de nome autoexplicativo. O rubro de seu espelho d’água vem dos organismos presentes no lago. Compõem também a paisagem, as dezenas de flamingos, que se equilibram em uma única perna, e a reserva de bórax, formando o fundo branco. Um Monet perfeito.
No alojamento o calor de café, chá de coca e sopas. Mas nada de banho em um lugar onde até a descarga da privada era feita a baldadas. A comida era bem boa... para um gato. Brincadeira de nosso time, incentivada por um presunto de latinha. O legal mesmo era a inteiração com os gringos de todas as partes, inclusive com uma dupla de franceses jogando o estranho jogo de cartas 'tin'. Ignoro as regras.
E se de dia o quadro da Laguna, com sua fauna local, chamava atenção, a noite a vista obrigatória é o céu. A propósito, o céu mais lindo que já vi em minha vida. Junte altitude, ausência total de nuvens e poucas luzes, chacoalhe tudo e sirva em um único prato: um iluminoso e belíssimo céu estrelado. São tantas estrelas, que o céu parece claro.
O céu voltaria a chamar atenção, mas isso quando o sol nascesse de novo, no outro dia. Dia de continuar nossa aventura por solo boliviano.
Chegamos ao país dentro de um 4X4. Quando cruzamos a fronteira, Jimi anunciou “Bem-vindos à Bolívia”. Mas já estávamos no clima com as primeiras batidas de Kaja Marka. No carro, os suíços Benjamin, Ramon e Daniel, a norte-americana Shannon e o catarinense Daniel. Queríamos conhecer um salar.
O tour explorava a Reserva de Fauna Andina Eduardo Avaroa, no sul da Bolívia. Três dias dentro de um carro, dormindo em alojamento e boquiabertos diante de paisagens magníficas. Após lagoas e muitas formações rochosas, a viagem terminaria no Salar de Uyuni. Mas uma coisa por vez.
Voltamos ao carro, onde deixamos as musicas de Jimi tomar conta. Eram todas no mesmo ritmo, as vezes com um tom meio indiano. E não tinha fim. As inibições de idiomas e nacionalidade aos poucos foram acabando nas conversas com os amigos mochileiros. Nos divertíamos com as variações de xingamentos nas várias línguas. O time estava formado.
Uma série de lagunas nos esperaria pela frente. De todas as tonalidades, começando pela branca, depois pela verde, aos pés do vulcão Licancabur. Mesmo na Bolívia ele ainda era onipresente.
As lagunas se seguiram, Honda, Hedionda, entre outras. Paisagem de espelhos d’água, vulcões em atividade e flamingos (são quatro espécies, uma delas só existe ali). Também passamos por fumegadores, uma espécie de gêiser que só solta fumaça. E ainda pelo banho quente em águas termais. Pouca coisa pelo que nos esperava adiante.
Laguna Colorada
Após tantas lagunas, paramos diante da mais bela de todas, e ali ficamos. A Laguna Colorada não é era só um espaço para deslumbramento e contemplação, mas também o pouco de nosso primeiro dia. Estávamos cansados e famintos, mas precisávamos conferir a lagoa.
Uma das maravilhas naturais da Bolívia, a Laguna Colorada concorre no concurso The News Seven Wonders, de nome autoexplicativo. O rubro de seu espelho d’água vem dos organismos presentes no lago. Compõem também a paisagem, as dezenas de flamingos, que se equilibram em uma única perna, e a reserva de bórax, formando o fundo branco. Um Monet perfeito.
Não se iluda com o calor do acampamento. Eu confundi e senti na pele o vento gelado a mais de 4 mil metros de altitude
No alojamento o calor de café, chá de coca e sopas. Mas nada de banho em um lugar onde até a descarga da privada era feita a baldadas. A comida era bem boa... para um gato. Brincadeira de nosso time, incentivada por um presunto de latinha. O legal mesmo era a inteiração com os gringos de todas as partes, inclusive com uma dupla de franceses jogando o estranho jogo de cartas 'tin'. Ignoro as regras.
E se de dia o quadro da Laguna, com sua fauna local, chamava atenção, a noite a vista obrigatória é o céu. A propósito, o céu mais lindo que já vi em minha vida. Junte altitude, ausência total de nuvens e poucas luzes, chacoalhe tudo e sirva em um único prato: um iluminoso e belíssimo céu estrelado. São tantas estrelas, que o céu parece claro.
O céu voltaria a chamar atenção, mas isso quando o sol nascesse de novo, no outro dia. Dia de continuar nossa aventura por solo boliviano.
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