segunda-feira, 23 de abril de 2012

As donzelas de Ticiano

Fui ao Masp outro dia. Bonita a coleção, não conhecia. Mas olhar retratos de fidalgos em pose de "me dei bem na vida" (uma espécie de Caras de séculos atrás) faz a gente pensar.

Estava lá apreciando os olhos esbugalhados pintados por Rafael, as displicentes pinceladas de Rembrandt, os traços carregados de Van Gogh. Percebi que estas obras só chegaram até nós porque algum mané cheio da grana da época pagou por ela.

Imagine a cena: o boa vida chama de lado Tiziano e faz a encomenda do retrato.


- Mas eu prefiro pintar donzelas colhendo flores na beira do lago, reclama o artista.
- Pois bem, meu bom homem, desdém o mecenas, vê lá quanto vão te oferecer as tais moçoilas.

Assim, séculos mais tarde, lá estou eu no Masp apreciando figuras de homens bem sucedidos sob a ótica de gênios. Não importa se estes caras, os retratados, eram heróis de suas épocas ou se batiam nas esposas em casa após a última caça à raposa. O importante é que eles tinham grana para serem imortalizados.

E as donzelas de Tiziano ainda o esperam na beira do lago.

domingo, 22 de abril de 2012

Dia 8: A garganta começa a incomodar

Ciao Bello,

A bela vista de Venezia. Vou sentir saudades [veja o vídeo]

Oitavo dia na Italia (22/02). E eu com a garganta ferrada. Fiquei um dia a mais em Venezia para poder ver a igreja San Marco de perto, mas deixei quieto. Acabei indo para outros lugares com meus amigos americanos. E, no meio da tarde, peguei o trem para Bologna. Estava mal. Minha garganta doía e eu comprei uns chás para ir tomando ao longo do dia. Deu uma melhorada, mas hoje (nono dia) acordei com voz de cantor de musica brega, ou de radialista.


 O quarteto de americanos e nossa última volta por Venezia

No trem, vim conversando com um estudante de medicina de Ferrara. Passei sobre o rio Pó e penso em voltar duas cidades só para pegar a agua do rio. Cheguei aqui em Bologna a noite, meus dois contatos de CouchSurfing tinham falhado. Nao tinha lenço nem documento, quer dizer, isso até tinha, mas nao tinha lugar para ficar. Chovia fino e estava escuro. Andei com as mil malas em busca de hostel. Não existe, cá em Bologna. Acabei passando por três albergues e ficando no terceiro: 40 euros, uma facada, e sem o clima bom de hostel.


Quase que fui a Firenze, mas meu contato de lá nao poderia me receber ontem (22). Vai me receber hoje. Deitei na cama, dormi um par de horas e acordei para, de noite, dar uma volta ao centro. Minha garganta ainda dói e tusso bastante. Quem sabe em casa de família, em Firenze, posso receber um pouco mais de ajuda.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Dia 7: Calmaria nas ilhas de Venezia

Ciao pappa, Ciao mamma

Uma semana na Itália (21/02). Um dia sozinho, cheio de coisas para explorar, mas um pouco deprê por voltar estar comigo mesmo. Os meus amigos americanos foram para Milano, passar o dia lá. Acordaram cedo, os coitados. Também acordei e fui tomar um café. Veneza é cara, um trocinho de nada e minha conta já estava em sete euros. Então peguei um ônibus (ops, ônibus não, um barco) e fui para uma das ilhas próximas a Venezia.

Ilha de Murano, um dos pontos visitados em meu dia sozinho

O sistema de transporte aqui é interessante, porque como toda cidade as pessoas precisam ir e vir. Os barcos funcionam exatamente como ônibus: você paga a passagem, espera no ponto. É bem fácil se locomover pelos principais pontos de Veneza e pelas ilhas do entorno. A polícia e as ambulâncias, claro, são também embarcações.

Em Venezia, barcos para turistas e moradores compartilham aos mesmos canais

Então fui para o Lido, uma espécie de ilha comprida, que protege Venezia do mar Adriático. É assim, seria como se a região de Veneza fosse uma baía, protegida pela Lido. E a cidade toda ceifada por canais (e eu pensava que Venezia fosse construída artificialmente sobre pau a pique, heheheh). Na ilha do Lido, silêncio e calmaria. Totalmente diferete de Venezia, lá é uma ilha residencial, cheia de velhinhos ou pessoas com seus cães grandes. Muito interessante, quando me aposentar vou morar lá.


Em Lido, senhores caminham por ruas calmas. Lugar para minha aposentadoria

Fui até a praia, tinha uma placa dizendo que o acesso à ela estava permitido! (tem portão para chegar à praia e algumas são particulares). Vi pela primeira vez o Mar Adriático, aquele que no passado servia de vazão do comércio de Venezia com os orientais, quando a cidade era uma riquíssima república ultramariana. Lindo o mar. Sentei em umas rochas e fiquei curtindo o som das ondas, o silêncio. Depois conversei com um casal de velhinhos italianos, Francesco, de 91 anos, e Rosseta, 90. Perguntei sobre meu italiano e ele respondeu "se fai capire" (se faz compreender). Adorei.



"Spiagia Libera", aqui, as praias têm portão. Abaixo, Francesco e Rosseta

Andei mais pela praia, tinha a mulher brincando com sua cachorra, alguns turistas catando conchinhas e tirando fotos. Na cidade, uma mulher tentava conter seu cachorro gigante que queria correr atrás das gaivotas. Peguei então outro barco para a ilha de Murano, conhecida pelos lindíssimos artesanatos em vidro. Ilha interessante também, com muitos canais, como em Venezia. E cheia de lojas de artesanato. Tudo beeeem caro. Os turistas adoram. Em uma parte, parecia uma cidade abandonada. Novamente o silêncio.


Italianos adoram cães. No dia de sol, mulher brinca com sua cadelinha


Aí voltei para Venezia. Ja era tarde e eu sequer tinha entrado na Basílica de San Marco, a principal de Venezia. Fiquei horas para chegar a Basília. Andei pelas ruelas apertadas da cidade, uma mais estranha que a outra. Parece outro planeta. Também passei pelo hospital, encontrei um professor de artes que me deu dicas dos melhores lugares para fotografar. Mas minha máquina tinha morrido de vez. Consegui fazer algumas boas com a máquina 2. E cheguei à basílica após o horário de fechamento.


A bela Murano, famosa pelo artesano em vidro e as vezes erma em algumas áreas

Para chegar a Piazza San Marco, o principal atrativo de Venezia, a gente vai seguindo nas paredes as plaquinhas "Per San Marco", ou "Per Rialto"(a principal ponte, sobre o Grande Canal). Fui seguindo e me perdi. Quando cheguei já era noite e não pude conhecer a igreja. A máquina deu uma ressuscitada no escuro e, com a ajuda do tripé, fiz umas fotos noturnas interessantes. Aí voltei para o hostel, comprei o bilhete do trem para Bologna e fiquei esperando dar o horário.


Fim do sétimo dia na Itália. Noite na Piazza San Marco

Aí aconteceu o imprevisto. Meu trem chegaria as 2 da madrugada em Bologna, péssimo horário. Como eu ficara um dia a mais em Venezia, o pessoal que ia me receber em Bologna não pôde mais. Tinha dois contatos, os dois disseram não. Aí, entre ir para Bologna e fica buscando um hostel de madrugada, e ficar uma noite mais em Venezia, preferi a segunda opção. Os dois americanos voltaram de Milano, agora, manhã do outro dia, e vamos conhecer a basílica. Vou para Bologna no começo da tarde e só vou passar algumas horas lá. Acho que vou direto para Firenze. Lá tenho Couch Surfing.

A beleza de Venezia

Bem, agora preciso ir. Os americanos estão se enrolando para se arrumar (por isso que gosto de viajar sozinho, heehhehe). Vamos tomar um café e caminhar mais uma vez “per San Marco”. Ver no que que dá. Nosso próximo contato possivelmente será de Firenze.

Beijo mamma, beijo babo

Ci vediamo,

Murilo

PS: Sobre Paris, é tentador né. Numa dessas eu iria antes de ir para Roma e passaria meu aniversário lá.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Carta extra: Pergunta aos retratistas

Quando viajei em 2012, não enviei e-mails só aos meus pais. "Cartas da Itália" faz uma pausa na cronologia e apresenta uma carta aos colegas de trabalho, os jornalistas e repórteres fotográficos da Divisão de Imprensa da Itaipu Binacional. Muita coisa se repete e resume minha passagem por Milano, Verona e a chegada em Venezia. Tive que retirar uma ou outra frase por se tratarem de assuntos de trabalho. A essência segue abaixo.


Oi pessoal, tudo bem?

Estou em Venezia, louco por um banho (o pessoal toma um a cada dois ou três dias, mas vou tentar seguir o padrão brasileiro) e comer alguma coisa (estou o dia todo com o catzo de uma broscheta e um brioche no estômago). Meus pés dóem de tanto andar e hoje tive um dia de sapo: choveu o tempo todo em Verona. Maldita Verona. Mas agora é a vez de Venezia.

Verona e seus guarda-chuvas abertos

A maledetta máquina tá dando um pau atrás do outro. E aí, pergunto aos amigos retratistas: o que seria? A Cannon está dando erro quando tento fazer algumas fotos, ela não movimenta o espelho e diz que deu erro. Pela lógica que eu vi, é quando eu uso a lente muito aberta (antes era abaixo de 24mm, mas agora ela tá reclamando até abaixo de 35mm). Aí eu olho aquela puta paisagem, abro em 17mm e dá erro. Aí fecho em 35mm e ela faz a foto. Outro padrão, me parece, é que quando tem muita luz, tipo uma paisagem com céu claro. Porque outra hora eu estava fotografando aberto, dentro de casa, e ela funcionou. Mas outras horas, não. Quase comprei uma Nikon portátil por 199 euros (daquelas bem boas, zoom ótico de 10X, 10 megpixels etc – a Panasonic com lente laica, 10 megapixels, está 179 euros). Arrependi-me de não ter comprado a 7D aí no Brasil...

Cena no Cimiterio Monumentale

Bem, cheguei a Milano depois de uma longa viagem, de passar pela simpatia da alfândega em Madri, e de conhecer simpáticas (estas, se, ironia) brasileiras no péssimo voo internacional (a holandesa KLM dá de 10 na espanhola Ibéria). Em Milano, conheci os principais pontos. Do Duomo, a igreja mais linda que já vi, ao Castelo Sforzesco, passando pelo Cimiterio Monumentale. Milano é uma cidade grande, bem bonita. Estava frio, mas o calor do pessoal que me recebeu foi ótimo. Se receber pessoas pelo CouchSurfing já é bom, ser hospedado é melhor ainda. Fiquei na casa de três estudantes, jantamos tipicamente italiano e, no último dia, saímos em um bar onde você compra os vinhos e fica degustando uns petiscos. Ótimo.

Il Castello Sforzesco

Aí resolvi dar uma passada em Verona. O dia tinha aberto, sol em Milão. Ia começar um interessante espetáculo de palhaços de quatro dias na piazza del Duomo, e o palhaço aqui com uma câmera que não funciona nas mãos. "Catzo!", estava puto. Peguei o metro e fui embora. Em Verona, sem CS, sem hostel. Demorei para achar uma lan house (não existe internet em Verona) e depois demorei e não achei um hostel. Fiquei em um hotel furreca. Para amanhecer hoje debaixo de chuva.

Despedida de Milano com festival de palhaços

Verona é interessante, e, como se tomasse um expresso troppo caldo, queimei a língua. Esbravejara contra a cidade no dia anterior e no dia atual. Mas ela é linda. Mesmo debaixo de chuva. Choveu o dia todo, como em Curitiba, aquela chuva chata que não chove, só molha. Um inferno. Comprei um guarda-chuva, "ma che!", Verona soprou o vento forte para não deixar nenhum guarda-chuva aberto em toda a cidade. Seria até engraçado se eu não tivesse no meio. Até tentei tirar fotos das pessoas e seus guarda-chuvas-com-vontade-própria, mas a máquina... Deixa pra lá.

Chuva em Verona. E minha máquina capenga. Ajuda aos retratistas

Aí fui andar pela cidade. Tem a Arena, um coliseu menor que o famoso, bacaninha; tem a torre da cidade, com uma vista linda; tem a Castelvecchio, cheio de museus históricos e repletos de pinturas renascentistas.  Andei ainda por uma rua cheia de lojas famosas (Benetton, Gucci, Louis Vuitton). Pati, amiga, você iria morreeeeer, eheheh. Passei pela belíssima ponte do castelo e sobre o lindíssimo Rio Adige (do qual, claro, peguei uma amostra de água). E fui à casa de Julieta (em Verona tem até o túmulo da criação shakesperiana, coisa para pegar turista asiático, eu não).

Primeira noite em Venezia: soa um alarme estranho


Aí corri e dei a Murilada do dia: quase perdi o trem para Venezia, mas usei o charme e a cara número 57 (aquela, de turista brasileira perdido) para conseguir uma carona até a rodoviária. Depois a usei a 58 para deixar o pessoal da fila do fast ticket (a máquina onde compramos o bilhete do trem) me deixar passar a frente. E cá estou, cansado e com fome, mas pronto para o dia de amanhã, que promete.

Beijão geral (para homens e mulheres, que não sou cara de frescuras). Vamos nos falando. Qualquer emergência, meu celular está funcionando. Agora me vou, começou a apitar uns alarmes loucos aqui na cidade, acho que Venezia está afundando...

Murilo (glub, glub, glub)

PS: Não, eu não revisei o e-mail...

domingo, 8 de abril de 2012

Dia 6: Novos amigos em Veneza

Oi Mamma, e pappa, tudo bem?

Sexto dia na Itália (20/02). Estou um pouco cansado. Acabamos de chegar de um barzinho e vou para cama. Amanhã, o dia vai ser longo – meus novos amigos viajam cedo e eu quero acordar em igual horário para aproveitar o dia. Hoje foi muito legal em Veneza, não somente por causa da cidade, mas pela companhia.

O dia em que molhei os pés. Me arrependi por boa parte da viagem

Lembro que quando viajei sozinho pela América Latina, não reclamava de estar sozinho, já que a todo momento encontrava amigos para seguir viagem comigo. Estava aguardando que isso acontecesse nesta viagem a qualquer momento, mas é mais difícil por ser Europa, acho. Então resolvi ajudar. Ontem, quando cheguei em Venezia aconteceu algo que ocorre umas cinco vezes por ano, e, pela primeira vez este ano: a água começou a invadir a cidade.

Dia inteiro andando pela terra das gôndolas

Veneza com a água onde deve estar: nos canais

É realmente interessante: toca um alarme quando a água sobe – eu ouvi o alarme disparar quando escrevia outro email [leia aqui]. Aí, as pessoas começam a se preparar. Colocam as bombas de drenagem para trabalhar e umas proteções em frente às lojas. Estas estruturas já estão lá, são mini portas de metal que sobem para barrar a entrada da água. Então, são colocadas passarelas em toda a cidade para permitir que o pessoal caminhe e os vendedores, com suas botas altas, ficam bombeando a água pra fora de seus estabelecimentos. Foi neste cenário que eu conheci meus dois primeiros amigos de viagem.

Tommy, o casal Kaylen e Roger e o Kyle: novos amigos

Tinha visto o Kyle e o Thomas quando eu fazia o check-in no hostel. Dois americanos que moram no Sul da França para estudar o idioma. Eu vi os dois tomando sorvete em uma gelatteria e fui pra lá também. Como sempre, puxei conversa. "Vocês não vão conseguir chegar ao hostel com estes tênis baixos aí”, disse em inglês apontando para All Star deles. Aí ficamos batendo papo um monte, eles voltaram para o hotel e eu fui sacar algumas fotos.

Fotos. Só não sei o que é

Para chegar ao hostel, enfrentei um rio. Encharquei meu tênis. Tomei um banho de rei e fui dormir. Estava preocupado porque achava ter perdido as chaves – teria que pagar 50 euros por isso. Não consegui dormir. Até mudei de quarto, por causa do ronco insisistente de um cara da cama ao meu lado. Dormi. No outro dia, o cara da recepção disse que minha chave estava segura – eu tinha deixado cair no hall de entrada.

Vitrine com massas. Algo quente em um dia gelado

Tommy me viu pela manhã e me convidou para sair com eles. Kyle estava com outos dois amigos, o Roger e a namorada. Fomos tomar café da manhã. Andamos o dia todo. Estava realmente frio, mas pudemos sentir um pouco de o que é Venezia. Eu sempre tive uma ideia errada: como se fossem uma cidade construída meio no improviso sobre a água. Não é. Venezia é uma cidade normal, mas repleta de canais. E é linda. As ruazinhas, as praças, o grande canal com sua ponte de Rialto, a mais linda de todas. Andamos de verdade por calçadas pequeninas, nos perdendo em lugares não turísticos. Experimentamos caffes e diferentes drinks, inclusive até agora pouco.

San Marco e Rialto, os dois pontos turísticos principais de Veneza

Foi muito bom, apesar do tempo chato que de novo não ajudou. Mas finalmente fazia uma coisa com amigos, da forma que estou acostumado a viajar: quando o programa com os amigos é melhor que a cidade em si [em La Paz, mudei meu roteiro para seguir a viagem com Marco e Ben]. Minha ideia era ver uma ópera, mas preferi ficar com eles. Fazia frio e o coitado com Kyle com roupa curta, mas o dia foi legal. Terminamos com um MacDonald, a embaixada americana na Itália e em qualquer outro lugar

 Na "embaixada americana", um Mac Itália

Agora a noite saímos os cinco para andar de novo. Antes disso, Tommy ficou em uma conversa profunda com outro americano. Catei o Kyle e viemos aqui na internet um pouco. Papo chato o de Tommy. Aí, saímos para a região da Margherita onde tem alguns bares. Experimentamos algumas bebidas e pulamos de bar em bar. E agora estou aqui.

Fim dia, bebidas e piadas sobre sardas: confundi os termos "freckles" (sardas) e "pimples"(espinhas de rosto) e disse "I like pimples". Eles: "No!"

O pessoal me convidou para passar alguns dias na França em uma cidade no Sul chamada Poo. Eu poderia conhecer Paris e outras cidades bonitas da França. Fique na dúvida. Porque não mudar totalmente minha organização de meses? É uma.

Bem, depois de um dia ótimo com amigos e tals, vou dormir. Amanhã quero visitar agumas ilhas próximas de Veneza e seguir viagem. Vai ser bom, pena que sem o pessoal. A noite, vou para Bologna.

E de lá, continuo a história.

Murilo

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Dia 5: Batalha campal entre Murilo e Verona

Oi mamma, (e agora) oi pappa

Quinto dia na Itália (19/02). Tudo bem, pessoal? Estou escrevendo de um hostel, em Venezia. Até que enfim cheguei à cidade depois de um dia exaustivo em Verona. Preciso tomar banho e comer alguma coisa para aproveitar o dia amanhã. Mas já faço isso, antes uma conversinha com vocês dois.

Dia inteiro de chuva em Verona. Catzo!

O dia amanheceu chuvoso. Foi assim que Verona me presenteou por eu ter ficado um dia todo por lá. Foi um verdadeiro duelo Murilo X Verona. Ela trouxe frio, eu coloquei luvas e me agasalhei. Então ela trouxe chuva, e eu busquei em um mercado uma guarda-chuva. "Catzo!", esbravejou Verona, e soprou o vento. Seria divertido ver as pessoas lutando para manter os guarda-chuvas abertos, no centro de Verona, debaixo da chuva. Seria divertido se eu não estivesse entre elas.

A arena de Verona deve ser mais bonita sem guarda-chuva

Mas bora lá, quem sai na chuva... Comprei o Verona Cart, por dez euros, que dá direito a várias atrações da cidade. Comecei pela arena, no centro da praça principal. Legal, mas se não estivesse chovendo seria melhor. E no no fim do ano tocará aquele monte de óperas lindas, ai ai...

Centrinho da cidade abandonado. Por que será?

Me molhei bastante e fiquei cada vez mais puto com a máquina fotográfica. Sei que vou me arrepender de não ter comprado uma nova (já me arrependo de não ter vendido um órgão para comprar outra máquina aí no Brasil). Então fui ao CastelVecchio, um castelo medieval na cidade. Bem bacaninha, com um museu medieval e muitas obras renascentistas. Aqui você respira história e ver mais quadros de mil quatrocentos e lá vai cacetada não chega a ser grande coisa. Mas as obras eram realmente lindas.

O bacana Rio Adige. Peguei, claro, minha porção de água

O melhor é a ponte do castelo, que cruza o Rio Adige. Lindo rio, com construções coloridas ao seu redor. Foi como se queimasse a língua em um caffe machiatto local: Verona é linda. Cruzei a ponte e cheguei a um bairro residencial, Veneto, bem bacana. Seria um lugar que eu moraria certamente. Fui ao bar Edige tomar um café, comer una broschetta. Estava quentinho, e o chocolate quente era tão denso que poderia comer a colheradas. Pude respirar e parar de xingar a câmera que não funciona e o maledetto tempo de Verona. Aquela chuvinha chata, igual a de Curitiba, que não chove, só molha.


Quando saí do bar, a chuva tinha ido embora. Bom andar sem o guarda-chuva. Dei mais um giro, desta vez em direção à casa da Julieta. Sim, Verona é a terra de Romeu e Julieta, a inspiração de Shakesperare para escrever seu mais célebre romance. Antes de chegar à casa, consegui pegar a água do rio Adige para minha coleção. Quase fiz uma burrada, ia pular uma cerquinha para chegar a uma escadinha, mas resolvi perguntar: "Scusa, per arrivare giú cosa bisogna fare?" O cara me disse que tinha uma outra descida, permitida, e que eu não precisava fazer bobagem. "Meglio domandare!", disse eu.

Veneto, bairro bacaninha. Mesmo após a chuva

Fui então à torre Lombarti (acho eh é este o nome), subi os mais de 350 degraus e tive uma bonita vista da cidade, com o grande Adige serpenteando por ela. Então fui ver Julieta, tínhamos marcado hora e fui até sua casa. Na frente da famosa varanda, onde Romeu declamava seus versos, vários guarda-chuvas se espalhavam e seres de olhos puxados se acotevalavam. Eram eles, os turistas asiáticos. Na Itália, tem saindo pelo ladrão. Mas nada da Julieta. Subi a escada, pisei na varanda, fui ao quarto e nada. Poderia ter deixado um aviso. "Arnesto nos convidou prum samba, ele mora no Braz..."

Varanda da Julieta sem a dita cuja. Não, aquela ali é só uma turista

Claro, que Julieta não existiu, mas a casa era de uma familia Capuletto, que existiu de verdade. Eles usam como referência, como se aquela fosse a inspiração shakespereana. E para fazer dinheiro. Tem de tudo que é presentinho remetendo a Romeu e Julieta, eu, scusa, não comprei nada!


Ponte de pedra. A melhor vista do belo Adige

Estava cansado de andar, mas fui até a ponte de pedra, entrei em uma igreja magnífica e pronto. Já tinha perdido o trem das 17h e estava para perder o das 18h. Se perdesse o das 19h, ficaria em Verona mais um dia. Comecei a me coçar. Dei um giro pelas ruelas de Verona, fabulosas. Bem cidade antiga mesmo. Quando fui ver, estava perto do trem das 19h e eu, Murilo, estava atrasado. Corri para o hotel pegar minha bagagem, faltava menos de 20 minutos para o trem sair e eu certamente não chegaria a pé. E nada de taxi. Na chuva, fiz a cara número 57 (a que eu uso em perigo, quando estou viajando) e perguntei para um senhor de feição simpática (devidamente pré-selecionado): "Non c’é taxi in Verona?" Ele disse que seria difícil. "Bisogno arrivare nella estacione alle 7". O cara fez o que eu previra: me deu uma carona para estação. Grande seu Sérgio, de Verona.

Até mais, Verona! Gostei da cidade. Moraria aqui

Na estação, corri para o fast ticket, uma máquina onde você compra os tickets. Pedi para o pessoal da fila se, por gentileza, podiam me dar passagem porque meu trem estava saindo. Eles me deixaram passar e ainda ajudaram na compra do ticket. Corri para o trem, mas o horário não era 19h justinho, era 19h18. Tinha tempo de arrumar as bagagens melhor e me alongar. Entrei no trem, fiquei ouvindo música do celular e cantando em portugues, tirei a bota para fazer massagem nos pés. E cá estou.

Desta vez fiz o booking (reserva) pela internet e cheguei rápido ao hostel. Nada de ficar batendo perna de graça. Vou agora tomar um banho e descansar. Amanhã o dia é cheio. Apesar da chuva e dos mil contratempos, Verona foi bem bacana. O que esperar de Venezia?

Recepção em Venezia: mais chuva. Aguardem a próxima carta

Amanhã eu conto.

Beijo paizão, beijo mãezinha, amanhã tem mais.

Murilo

terça-feira, 3 de abril de 2012

Dia 4: Palhaços na despedida de Milano

Ciao Mamma, come stai?

Quarto dia na Itália (18/02). Estou em Verona, em um hotelzinho furreca que me aceitou pela bagatela de 35 euros. Na verdade tem hostels mais baratos que isso e, se tivesse encontrado um CouchSurfing, pagaria nada. Não sei porque vim pra cá, a cidade não é lá essas coisas. Vá lá, nem tudo é um mar de flores.


Bem, levantei tarde hoje em Milano. Chegamos ontem de madrugada, mortos. O tram (aquele trem elétrico que anda no meio do trânsito) demorou para passar e eu estava dormindo em pé. Pegamos o tram e fomos para casa do Tommy, eu, o Tommy, o Mário e o Elio (que moram lá também) e outros amigos do pessoal. Nos espalhamos pela casa para dormir.

Na noite anterior, novos amigos e pouco sono

Foi engraçado, o pessoal é super gente boa. Ficavam me chamando de Mourinho, o técnico do Inter de Milão, e pedindo para eu escalar o time. O Tommy falando em português e sambando – é a resposta dele para nós que, sempre quando imitamos os italianos, mexemos as mãos e falamos “Ma che!”

Lembrar de Tommy e cia me faz pensar que viagem sozinho não é assim tão glamourosa. Se ontem estava no meio do pessoal, hoje estou num quartinho minúsculo de hotel, em Verona, ouvindo música no celular e com frio nos pés (vou ali colocar meias).

Aí, acordei tarde hoje. Estava realmente cansado e com dor nos pés. Preferi usar o meu tênis de montanha, porque os dois pequenos que eu trouxe são uma droga (maldita ideia de trazer o tênis de futebol de salão e deixar o de caminhada em casa, quase comprei um tênis aqui). Outra coisa que quase comprei foi uma máquina fotográfica nova. Já explico porquê.

Milano Clown Festival em meu último dia na cidade

Abracei o Tommy e seu amigo, Vanni, que estava por lá e que vai me receber em Firenze (finalmente encontrei um CS da cidade). Peguei minhas tralhas e fui à luta. Antes de pegar o trem para Verona, quis dar uma passada última na Piazza del Duomo. Fazia sol em Milano. No dia anterior chovera o tempo todo, como Curitiba, chuva chata. No dia em que eu saí fez o maior sol e ia começar um festival de palhaços na cidade. Estava bem agitada a Piazza del Duomo, pena eu não ter ficado na cidade. Queria fazer umas fotos legais do Duomo sob a luz do sol. Maldita máquina, só me deixou com raiva. Até que fiz uma ou outra, não do jeito que eu queria.

Manifestações populares com muito humor

Peguei o trem na estação. Por quatro euros de diferença, preferi a 2ª classe. Tudo bem, viagem normal. Aí cheguei a Verona. Quase cinco da tarde, coloquei minha mala em um looker (guarda-mala) e fui resolver meu problema de pouso. Achei que seria fácil ir ao centro, pegar uma internet, ver se a mulher do CS tinha respondido, se não, buscaria o endereço de um hostel e tchau e bença. Que nada, é impossível se conectar em internet em Verona. Nenhum restaurante tem wi-fi, e das lan house, uma estava fechada e outra o cara estava de má vontade e tinha uma fila enorme. Fui a uma terceira, depois de muito caminar e domandare (perguntar).


Achei o endereço do hostel, mas não o hostel. Acabei ficando neste hotel furreca, porque já estava cansado de andar. O senhor da portaria, beeeem senhor, é estranho: não sei se ele é mal-educado ou muito debochado. Fico com a segunda opção, ele me faz rir. Perguntou onde eu vou com minha mala enorme e sempre que eu faço uma pergunta ele fica me olhando com uma cara séria, como se a dúvida fosse estúpida. É, o cara e gente boa sim.

Portal de entrada: bem-vindo a Verona!

O pessoal daqui é um pouco raro. A mulher não pode te devolver o troco pura e simplesmente, ela tem que jogar as moedas na mesa e fazer cara de c*. O cara da loja de máquinas fotográficas foi o pior. Eu ia realmente comprar uma máquina de 179 euros (uma bem boa, da Panasonic), mas quando pedi para olhar a máquina ele disse que só na vitrine. Quando perguntei se poderia dividir no cartão de credito ele disse que era meio óbvio que, se a máquina viesse em uma parte, o dinheiro tinha que vir numa parte também.

Estou puto com as duas máquinas de fotografar. Uma, aquela piorzinha, fica travando. A outra, simplesmente não faz foto quando tem muita luz. Já perdi um monte de foto boa e se amanhã ela continuar assim, vou ter que engolir o manezão lá da loja.

O anfiteatro de Verona. Em agosto, muitas apresentações culturais

Enfim, depois de um dia corrido quase não vi a cidade direito. Tem um centro bacana, com um portal imenso e uma praça gigante. No meio dela, uma arena romana, como o Coliseu de Roma, só que menor. Amanhã dou uma olhada. Em agosto vai ter apresentações do nível de Aida, Turandot e Carmem, e eu não vou estar por aqui...

Primeiro dia em Verona e algumas más impressões

Bem, é isso. Comi uma pizza gigante (fui atendido por simpáticas muheres, vá-lha-me) e estou no quarto com os pés gelados (sinto que o aquecedor não vai bem). Tive que voltar à estação para pegar minha bagagem e recebi informações erradas quando estava indo. Com o mapa na mão e confuso, pedi ajuda a uma muher que acabou me trazendo até o hotel de carro. Tomei um banho de rei agora, bem quente. Ao menos isso. Estou tomando banho a cada dois dias aqui. Bem ao jeito europeu, eles tomam três vezes por semana, o Tommy me disse, mas não fedem não. Vamos ver onde vou estar amanhã, quero voltar ao banho diário. Agora estou vendo olimpíadas de inverno. Em italiano, claro. Embora, erre algumas vezes, até que tenho me virado bem no idioma (hoje ajudei uma menina de Trento, que encontrei na estação, a traduzir um texto do espanhol para o italiano).

Beijo mama, Vou daqui e vc daí. E a gente vai se falando.

Arrivederci e auguri,

Murilo

Outro e-mail: sobre o frio, não está tanto. Já peguei frios em Curitiba muito piores. Ainda não tive a sorte de ver nevar, só neve no chão. Não trouxe muuita roupa de frio, podeia trazer outras só para ter mais opções, mas com estas estou bem protegido.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Dia 3: Atrasado para a Última Ceia

Oi mamma

Terceiro dia na Itália (17/02). Meus pés dóem, de verdade. É madrugada, o dia foi todo chuvoso e minha máquina está dando pau (estou pensando seriamente em ir a uma loja da Cannon comprar outra máquina). Estou cansado, bem cansado. Já são quase três da manhã e quero acordar cedo para ir a Verona. Mas estou satisfeito. Hoje o dia foi cheio. E começou com Da Vinci.

 Padre, paciente, espera a confissão.

Como sempre tive que correr. Fui o último a chegar à igreja Santa Maria delle Grazie, que pertence a um convento dominicano, e é famosa pelo afresco “A Última Ceia”, de Leonardo da Vinci. Belíssima. Emocionante ver esta imagem tão famosa em seu tamanho original, no alto de uma parede. O olhar de Pedro, o dedo levantado de Tomas, o rosto cândido de João...

Sendo proibido fazer fotos no interior da igreja, sobrou a fachada

A obra demorou três anos para ser concluída, fato raro na vida de Da Vinci se envolver tanto tempo com um único trabalho. Mas o interessante é que depois da obra terminada, os padres do convento acharam que deveria ser aberta uma porta, bem embaixo do afresco. Aí, teria que arrancar um pedaço da Última Ceia: justo os pés calçados de Jesus Cristo. Sem problemas. Agora, sempre que eu vejo reproduções del Cenacolo Vinciano reparo nos pés de Jesus.

[postado depois: Do outro lado da sala onde está o Cenacolo, tem uma obra de Giovanni Donato do Montofano, 1440-1502, que se chama "Crocifissione", e narra a crucificação de Jesus. Para visitar a igreja é preciso agendar com antecedência. Eu comprei o bilhete, a 8 euro, em http://www.vivaticket.it/, ainda no Brasil. A visita começa às 9h30 e é preciso estar uma hora antes]. Continua a carta...

No Castello Sforzesco, construções e curiosidades

Mas te falei que meus pés estão doendo. Então, caminhei até o Castello Sforzesco, onde passei o dia todo. De museu em museu, andando sempre. Bem interessante, museu do castelo, do Egito, de arte decorativa, da música, entre outros. O dia estava chato, chuvoso. Eu com frio e dor nos pés. Saí do castelo e fui a um restaurante ali perto comer um pennette alla matriciana e um caffe macchiato. Aí fui até a loja Declathon, um paraíso esportista (o pai e o Paulinho iam ficar loucos, tem tudo que precisa para esporte e bem barato). Queria comprar um tênis, porque não trouxe calçado bom para caminhar. Por isso estou com os pés ferrados. Acabei não comprando.

San Siro. Fiquei de fora

Comi uma pasta com vinho. Bem bom. E caminhei ainda mais. Chuva chata o dia todo e a máquina boicotando minhas melhores fotos. Ainda fui ao estádio San Siro, mas não pude entrar. Estava fechado. Falei que sou brasileiro, que queria dar apenas uma espiada. Não deixaram.

Na estação do Duomo, ponto de encontro em Milano

Chovia quando voltei à estação do Duomo e fiquei esperando Tommy e sua trupe. Gente boa o pessoal. Em Firenze, vou ficar na casa de um deles. Fomos a uma cantina tomar vinho, a Cantina Isola. Muito legal, bem decorada, com as prateleiras forradas de vinhos. Você escolhe uma garrafa, pega uma mesa de frios e fica ali papeando.

Para um apreciador de vinhos, isso aqui é paraíso. Meus amigos Tommy fazendo caras, o Alberto, que ficava me chamando de Mourinho, e Vanny, que gosta da sonoridade de "xoxota"

Depois fomos a outro bar. Fiquei conversando com uma menina de Napoli e com outro cara que brincava com meu nome: o pessoal fica me chamando de Mourinho, o técnico do Inter de Milão. O italiano sai capenga, mas já consigo conversar.

No segundo bar, novos amigos e mais italiano. Mário, Marcão, Tommy e o irlandês Roberto.

E agora estou aqui. O pessoal está arrumando as camas e eu estou buscando um hostel em Verona. Difícil encontrar CouchSurfing lá. Bem, vou reservar um quarto e dormir.

Beijo mamma, beijo em todo mundo. Continue acompanhando o diário.

Murilo