quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

A Casa Westbahnhof

Nenhum lugar em toda Viena, aliás, em toda Europa, Juttel e eu podemos melhor chamar de casa do que Westbahnhof, uma das estações daquela cidade. Foi ali uma de nossas primeiras paradas e por ali nos instalamos. Para ler, pés sobre a mesinha de centro, busque uma cerveja na geladeira e sinta-se em casa. Nós estamos na nossa.

Bem-vindo à Westbahnhof. Sinta-se em casa

Aquela manhã, quando pisamos em Viena, estávamos perdidos, em todos sentidos da palavra (só para não usar “literalmente”). Na verdade foi meio milagre ter conseguido um ônibus pelo celular daqueles excêntricos artistas alemães, lá em Berlim. Querer um lugar para ficar, plena final de Eurocopa, já era pedir demais.

Westbahnhof se veste para a final da Eurocopa 08

Nas primeiras horas em Viena, Alexanderplatz, a praça mais famosa, cheirava a silêncio. Bem diferente daquela avacalhação que se seguiria depois. Juttel e eu precisávamos nos instalar e fomos buscar abrigo na velha Westbahnhof. Alugamos um espaçoso locker, nosso guarda-roupa pelas vinte e quatro horas seguintes. Por ali vimos alguns jornalistas franceses com suas credenciais espaçosas no peito. Eles nos encararam e nós eles.

No guarda-roupas locker. Coisas no lugar, bora vencer a cidade

Coisas guardadas, era vez do banho. Três míseros euros nos deu direito à meia hora de prazer na ducha quente em um banheiro privado. Verdadeira derrama por tão pouco. Outros 50 cents e tínhamos um vaso sanitário digno. Um banheiro completo.

Aliás, por ali, enquanto Juttel gastava sua meia hora, vi uma cena bizarra. Acomodava minhas coisas num canto, me desviando dos caras que apenas buscavam um canto para desafogar o joelho, quando chegou um bêbado. O sinal vermelho buzinou para o carinha responsável pelo banheiro, que tratou logo de enxotar a figura. Bem natural, bêbado é bêbado em qualquer lugar do mundo.

Mas aí voltei a atenção para minha escova, sabonete e afins, me descuidando da cena. Perdi o melhor: quando voltei o olhar, o tal pinguço tinha largado um tolete bem caprichado no chão do banheiro! Sem se dar por vencido, o carinha do banheiro foi até o local do crime com uma pá, resgatou o troço (acentue essa palavra como quiser) e jogou no lixo de fora do banheiro, em meio a passantes civis e inocentes que nada tinham a ver com o assunto. Uma vergonha!

Cartaz e algumas lojas na Westbahnhof. Casa completa

Juttel saiu da ducha incólume e eu tratei de tomar meu banho. Éramos pessoas novas, dignas e bem resolvidas. E estava na hora de comer.

Na cozinha, ou melhor, nos pequenos cafés da estação, tinha de tudo. O Juttel, adepto ao sal, buscou um pedaço de pizza e Coca-Cola. Eu tratei de me servir daquelas massas enroladinhas cobertas de açúcar e com nome alemão. O tio ensinou o nome, mas não me lembro, claro. Matei uma ou duas dessas massas acompanhadas de café, que na Europa não é lá essas coisas.

Estando servidos, buscamos leitura na sala de estar, ops... olha eu de novo, desculpe, em uma livraria na estação. Revistas e jornais em idiomas variados, folheamos um e outro e nos inteiramos sobre a Eurocopa, matando o La Gazzetta dello Sport do dia. E dali fomos à luta.

Aquela parte de Viena, onde fica nossa bela Westbahnhof, foi a primeira área que de fato conhecemos. Batemos perna por ali, atrás de abrigo para a noite, mas nada feito, tudo fechado. Fizemos algumas reservas e retornamos para o centro.

A história vocês conhecem, das dormidinhas no entorno do estádio à invasão dos torcedores no centro de Viena. Das perguntas capciosas do jovem alemão ao gol fatal de Fernando Torres e a vitória da Espanha na Euro 2008. Tava tudo demais, alegria tudo em paz, e viva Espanha, e tudo de bom. Mas e agora, José? Onde iríamos dormir?

Alemães atrás da parede de vidro. Colegas de quarto

Tarde da noite. Estávamos cansados, moídos. Dóidos. Seguimos aquela multidão colorida e também cansada pelos metrôs e, talvez por força do tempo ou de meu estado mental na ocasião, pouca coisa me lembro desse trecho.

Westbahnhof, sempre acolhedora, apinhada de torcedores sonolentos

Lembro sim de a gente, Juttel e eu vestindo Brasil, nos juntando a alemães e espanhóis, vestindo suas bandeiras, na mesma situação nossa. Onde? Na casa Westbahnhof. Buscamos um canto aqui, não, aqui não. Outro ali, também não; e finalmente encontramos o ideal: próximo de uma escada, atrás de uma parede de vidro. Um quarto perfeito que dividimos com alguns alemães descalços. E onde dormimos com anjos.

Prontos pra dormir. Apaga essa luz!

Em tempo: na manhã seguinte foi engraçado ser acordado pelos educados policiais austríacos, com seus silenciosos “Guten Morgen”, sinalizando que ali não era lugar para dormir. “Peraí, to na minha casa!”, poderia ter gritado, mas ele não teria entendido. Terminamos o sono em algumas cadeiras de espera e depois levantamos de vez. Estávamos dispostos para mais um dia em Viena.

Soninho final nas cadeiras. Hora de levantar

Saímos à varanda de casa para respirar ar puro e conhecer de fato aquela cidade. E vocês estão convidados a seguir conosco.

sábado, 3 de janeiro de 2009

Alemães, espanhóis e... brasileiros em Viena

O jovem alemão me cutucou o ombro e perguntou o que eu estava fazendo ali. “Assistindo ao jogo”, respondi. Mas por que da camisa do Brasil, tornou ele a questionar. “Porque eu sou brasileiro, oras”, sentenciei. Ele silenciou, desistiu do mim e voltou a atenção para o jogo. E viu a Super Deutchland perder a Eurocopa para Espanha.

Alemães em Viena. Eles tudo bem, mas e nós?

Havíamos sido recebido de outras formas por torcedores alemães e espanhóis. Muitos batiam em nossas costas ao ver a bandeira do Brasil e a camisa da Seleção, reconhecendo nossa superioridade, ao menos no futebol. E ao menos em épocas específicas. Outros olhavam com cara de desconfiança. Mas tive que concordar com aquele jovem bêbado alemão: o que estávamos fazendo ali?

Alexander Dom, no coração de Viena. Silêncio pela manhã

O dia prometia quando pisamos em Viena, em 29 de junho. O centro ainda vazio não se parecia em nada com o circo que a capital austríaca se tornaria mais tarde. Era dia da final da Euro 08, Alemanha X Espanha.

Juttel e eu estávamos acompanhando o campeonato desde o Brasil. Fiquei puto por Portugal não ter se classificado (desperdicei R$ 20 em uma camisa do Cristiano Ronaldo). No aeroporto de Guarulhos, dia do embarque, vimos a poderosa Holanda também dizer adeus à Eurocopa.

Em Amsterdã encontramos pela primeira vez os irmãos latinos, no jogo contra Itália. “E viva Espanha”, estreamos o grito. Em Estocolmo, no Ice Bar, esquentamos o clima com um grupo de calientes espanhóis. Em Viena seria nosso último encontro.

Juttel olha o estádio. Não é para nosso bico

Aos poucos as pessoas foram tomando conta da Alexanderplatz, a praça principal onde fica a belíssima Alexander Dom. Após nos instalarmos na cidade (ou quase, leia post a seguir), fomos curtir o clima de Eurocopa. Vimos o estádio da grande final, ao menos pelo lado de fora; notamos a movimentação da imprensa e outros sortudos com suas credenciais.

Torcida alemã ensaia os gritos da final

Mas precisávamos tomar nosso rumo. Após uma revigorante dormida em gramadão, tomamos metrô de volta ao centro da cidade. O destino era o da fanzone, no centro histórico de Viena.

Vermelho-amarelo por toda a parte

A Alexanderplatz aquela hora estava apinhada de caras com roupas brancas e vermelhas. Aquela multidão de alemães e espanhóis gritava seus hinos entre os cartões-postais de Viena. Tão inusitado quanto conhecer a Berlim cor-de-rosa, foi ver Viena em dia de final. Sensacional.

A multidão seguiu seu rumo e fomos atrás. Passamos por castelos, estátuas, monumentos grandiosos. Os torcedores tiravam fotos entre as estátuas e duelavam no grito. Mas ficava nisso, sem violência, como tem que ser uma final de campeonato.

Torcida em monumentos históricos. Viena nunca mais foi a mesma

Chegamos à fanzone, tão grandiosa quanto o centro histórico. Ruas e mais ruas cercadas, repletas de telões, e mensagens dos patrocinadores. Uma loja de roupas gigante, com preços proporcionais, e muita, mas muita gente.

Bem-vindo à fanzone! (link patrocinado)

Prevaleciam os carinhas de branco, com aquele sotaque arranhado. Não vale, a Alemanha é ali coladinha de Viena. Juttel e eu andávamos aqui e ali, sentindo o clima local. Esperamos num gramadinho novamente, curtindo o movimento e sonhando.

Refresco para o verão europeu. E para um bando de torcedores suados

Sonhávamos que estávamos entre castelos lindíssimos, sendo atacados por hordas de fanáticos. Mas não era sonho. Num palco, um show de rock repercutido nas dezenas de telões. O sol dava sua descida final, não fazia gracinha como na ensolarada Suécia. Prelúdio do espetáculo.


Castelo vienenese e futebol. Paixões locais

O jogo não foi o melhor do show, mas sim aquele sentimento de ineditismo. Tudo era interessante. Do casal alemão que lamentava o desempenho do time à família austríaca que estava ali só para torcer contra. Olhava para a tela, torcia, vibrava, mas sequer estava ali. Ainda sonhava.


Torcida alemã vibra, mas não deu pra eles

Ao menos para Alemanha, o sonho acabou com um gol de Fernando Torres ainda no primeiro tempo. Fim de jogo, Espanha vibra. E nós que aprendemos a torcer pela Espanha, emprestamos nossa grito também. “Lá-lá-lá-lá-lá-lá... E Viva Espanha!” Ótimo.

E deu Espanha!

A festa tava boa, estávamos superanimados, mas incrivelmente cansados. O dia corrido da Alemanha, a viagem mal dormida e o longo dia em Viena começaram a pesar. Um problema que estávamos procrastinando, de repente pula na nossa frente. Precisávamos acordar do sonho para encontrar um lugar para dormir?

História para o próximo post.

Curta viagem, curto post

A poesia alemã nunca me chamou muito a atenção. Na verdade, poesia não é o meu forte. Quanto menos alemã. Mas então o que fazia eu ouvindo uma jovem alemã, estudante de teatro, declamar seu texto na língua pátria?

Viagem de ônibus, mais uma. Ô sina! Chegamos a tempo de pegar o ônibus pela rabeira para seguir viagem rumo à próxima parada. Viena. Terra das artes, cidade que incentiva a cultura e que tinha o curso ideal para a minha companheira de banco.

Embora curta, a viagem de ônibus foi muito cansativa. Olha a cara!

Ops, que educação a minha, deixe-me apresentá-la. Seu nome é [colocar o nome aqui quando lembrar, heheehh], uma jovem com pouco mais de 20 anos que visava um curso de teatro na Áustria. Viajava de Berlim a Viena para fazer um teste – queria ser atriz de teatro. Era minha romântica companhia em uma curta viagem de ônibus.

Ônibus e suas artimanhas tecnológicas, mas poderia ser mais confortável

A viagem não foi das melhores não. Ônibus na Europa é meio desconfortável. Interessante ver pequenos televisores transmitindo o que a câmera captava lá de fora. Pra mim inusitado. Fora isso, nada demais. A não ser a dureza e pouca inclinação da poltrona que me lembrou os tempos áureos dos voos Campinas - Foz do Iguaçu.

Dureza no banco, mas boa companhia. A jovem tedesca me deu algumas dicas culturais de Berlim. Talvez me sirva para uma próxima viagem. Mapa no colo, e dá-lhe mãos apontando este e aquele lugar. Deu no que deu. Em uma curta viagem, o primeiro caso europeu.

Nascer do sol tem em todo lugar

Legal a companhia dela. Contou-me sobre os planos na Áustria e sua carreira de teatro. E encenou parte do monólogo que ela iria apresentar em seu teste. Tudo em alemão. Não entendi patavina, mas gostei.

A curta viagem tinha destino. Estranhei algumas pichações em uma construção histórica. Lembravam fogo. Diferente das bonitas paisagens logo no amanhecer do dia. Pegar o nascer do sol na estrada foi único.

Não era bem o que eu esperava da Áustria, mas eis que chegamos

Mas é dia e tem sol. Hora de me despedir de minha companheira e desejar-lhe sorte. Embora tenhamos trocado endereço, não voltamos a nos falar. Espero que ela tenha conseguido a vaga na escola de arte. Mas foco. Acordar o Juttel, ajeitar as malas e pisar em solo austríaco.

Cheiro de futebol no ar, com toques de final de campeonato. Coisa que vocês encontram no próximo post.